Ominosa
constatação, como diria Hall, deparar-se 22 anos após a colação
de grau, (que no meu caso específico não ocorreu; já que Antonio
Salieri numa de suas inúmeras incorporações ousou sequestrar o parecer
do seu superior, que estava ausente por motivos de saúde, reprovando
a minha tese de graduação alguns dias antes da formatura; para o
espanto e indignação dos colegas, dos meus pais, da minha namorada
e colega de classe (ela também reprovada na ocasião) e do meu orientador
Prof. Dr. Flávio L. Motta, instigante e carismático mestre, que
no meio da cerimônia ao notar que meu nome havia sido omitido não
se conteve e próximo aos microfones da banca, atônito, reclamou:
... e o Pitanga ? !!! com a bêsta dos labirintos funcionalistas
a me fitar com seu olhar radieuse e num sorriso ironicamente
desconstruído me cobrar: ...e o Urbanismo ? !!!
A
palavra urbanismo era o primeiro "U" de FAUUSP, isso eu
sempre soube porque à época da faculdade quando perguntado, de pronto
respondia: eu faço a FAU ! o que significava que eu não pertencia
àquela outra instituição que formava "práticos" de arquitetura,
só depois fui entender que aqueles eram os verdadeiros "profissionais
do mercado" os Robert Moses, os Thomas Adams, os Daniel Burnham,
os Bofill e, sob certas condições, os Charles Yerkes ! aos quais
eu agora estava sendo introduzido.
Nós
da FAU eramos, e eu não sabia, os Ebenezer Howard, os Raymond Unwin,
os Barry Parker, os Patrick Geddes, os Lewis Mumford e, sob certas
condições, os Le Corbusier e até os Albert Speer !
Só
mais tarde, com a plutocratização do ensino superior que permitiu
que bully boys, eastmans, rounders e creepers devidamente
apadrinhados por militares e ou políticos corruptos estabelecessem
seus dumb-bells e Mietskaserne,é que surgiram infindáveis
gerações de Ars..,Bes..,Cans...,Res...,Vis... e tantos outros epítomes
da escatologia mercadoarquitetônica, e eu teria que especificar
que FAU era a minha, se FAU rulhos, FAU camp, FAU cruzes, FAU santa
genoveva ou FAU o-diabo-que-o-carregue...
Quoi
qu’il en soit, nunca é tarde demais para se percorrer os labirínticos
"U"s que são no dizer de Giancarlo De Carlo os meios através
dos quais a sociedade melhor se faz representar, ou como Giulio
Carlo Argan parafraseando Mumford e Saussure:
"A
cidade favorece a arte, é a própria arte, disse Lewis Mumford. Portanto,
ela não é apenas, como outros depois dele explicitaram, um invólucro
ou uma concentração de produtos artísticos, mas um produto artístico
ela mesma. A origem do caráter artístico implícito da cidade lembra
o caráter artístico intrínseco da linguagem, indicado por Saussure:
a cidade é intrínsecamente artística."
"Devemos,
todavia, constatar que a idéia da história como seqüência imprevista
de eventos, e de eventos não previstos nem preordenados, não contradiz
de forma alguma a hipótese do caráter artístico fundamental da cidade.
Esta acaba sendo confirmada pelo fato de que a cidade real jamais
corresponde a formas idênticas às dos modelos ideais."
"Dizemos,
portanto, que a forma é o resultado de um processo, cujo ponto de
partida não é a própria forma. A cidade não é Gestalt mas
Gestaltung."
Ainda
Argan, relativizando a importância do centro histórico enquanto
figura urbanística estanque que, como veremos em Peter Hall no Capítulo
6, serviu aos mais indefensáveis propósitos e no Capítulo 7 do mesmo
livro segundo Le Corbusier deveria ser destruído.
"O
conceito de 'centro histórico' é instrumentalmente útil porque permite
reduzir, quando não bloquear, a invasão das zonas antigas por parte
de organismos administrativos ou de funções residenciais novas que
fatalmente conduziriam, mais cedo ou mais tarde, à sua destruição.
O mesmo conceito, porém, é teoricamente absurdo porque, se se quer
conservar a cidade como instituição, não se pode admitir que ela
conste de uma parte histórica com um valor qualitativo e de uma
parte não-histórica, com caráter puramente quantitativo. Fique bem
claro que o que tem e deve ter não apenas organização, mas substância
histórica é a cidade em seu conjunto, antiga e moderna."
E
aqui além de demonstrar historicamente a organicidade artística
da cidade termina com uma referência implícita a Patrick Geddes
como veremos no Capítulo 5.
"Em
toda a sua história, a cidade resulta composta pelo entrelaçamento
de temporalidades diversas, o que Quitavalle recordava ao reivindicar
a pluralidade e diversidade das durações existenciais, as diversas
temporalidades indicadas por Le Goff para a Idade Média. Cada uma
das artes em sua individualidade tem seus tempos de idealização
e técnicos, que podem ser estudados tanto em sentido sincrônico
como em sentido diacrônico."
"O
estudo das inter-relações entre as artes e a sua convergência num
conceito unitário de arte, qualquer que seja a consistência deste
no plano teórico, tem sempre uma realidade histórica precisa e incontrovertível,
porque o conceito de arte não é uma invenção da filosofia moderna;
ele pertence à todas as civilizações históricas e nasce na consciência
da sua convergência intencional numa unidade que se chama arte,
mas se realiza, de fato, naquele organismo cultural complexo que
é a cidade. Já se perfila, aliás, uma extensão da cidade ao território,
não sendo possível prescindir de uma idéia do periekon natural que
envolva e integre a área da cidade como núcleo histórico."
Antes
de terminar com esta introdução, faz-se mister alertar para o fato
de que, o que se segue, é uma EDIÇÃO de Cidades
do Amanhã de
Peter Hall, e não um resumo, pois nem uma só palavra foi acrescida
ao texto e, todavia, milhares foram eliminadas e o resultado pode
ser lido continuamente sem perda de substância. Quero dizer que
acredito ter conseguido eliminar 400 páginas de gorduras de três
tipos básicos: estilística, estatística e documental que, como sói
acontecer, tiram o sabor da carne mas diminuem o colesterol. O mesmo
procedimento foi adotado para o Depoimento
de um Arquiteto Italiano de Giancarlo De Carlo.