PETER HALL - CIDADES DO AMANHA (SUMULA)
1. Cidades da Imaginação. Visões Alternativas da Boa Cidade (1880-1987)
(...) Este livro é feito sobre eles, suas visões, e o efeito que essas visões tiveram no trabalho diário de construir cidades: Howard, Unwin, Parker, Osborn; Geddes, Munford, Stein, MacKaye, Chase; Burnham, Lutyens; LeCorbusier; Wells, Webber; Wright, Turner, Alexander; Friedmann, Castells, Harvey. Resumamos aqui o argumento central: a maioria era de visionários, mas as visões de muitos quedaram por longo tempo estéreis, porque ainda não era chegada a hora.
AS RAÍZES ANARQUISTAS DO MOVIMENTO URBANÍSTICO
(...) É
realmente surpreendente o fato de que muitas das primitivas visões do movimento
urbanístico tenham como origem o movimento anarquista que floresceu nas últimas
décadas do século XIX e nos primeiros anos do século XX. Isso vale para Howard,
para Geddes e para a Regional Planning Association of America, tanto quanto
para os seus muitos derivados no continente europeu.
(Não valeu, contudo, e quanto a isso não há qualquer dúvida, para Le Corbusier,
que era um centralista autoritário, nem para a maioria dos componentes do Movimento
City Beautiful, fiéis serviçais do capitalismo financeiro ou de ditadores totalitários.)
As raízes anarquistas do planejamento têm sido dissecadas a contento por numerosos autores, e em especial por Colin Ward na Grã-Bretanha, e por Clyde Weaver nos Estados Unidos.
(...) Uma escola agora poderosa, e mesmo dominante, afirma que o planejamento, em todas as suas manifestações, é uma resposta do sistema capitalista - e particulamente do Estado capitalista - ao problema da organização da produção e, em especial, ao dilema das crises constantes. (...) é o motor tecnológico-econômico que dirige o sistema socioeconômico e, através dele, as respostas da válvula de segurança política.
Quem quer que pretenda escrever história, seja lá em que campo for - e especialmente neste, onde tantas sofisticadas inteligências marxistas têm atuado -, necessita tomar posição no tocante a essas questões parateológicas de interpretação. É o que faço agora: os atores da história têm seu desempenho determinado pelo mundo onde eles mesmos se acham inseridos e, particularmente, pelos problemas com os quais nesse mundo se defrontam.
Na prática, o planejamento de cidades funde-se, quase imperceptivelmente, com os problemas das cidades, e estes, por sua vez, com toda a vida socioeconômico -político -cultural da época; (...) limite estabelecido (...) contar de tudo apenas o necessário que explique o fenômeno do planejamento urbano; e fixa-lo firmemente, à maneira marxista, em sua base socioeconômica (...) significado da expressão "planejamento urbano". Quase todos, a partir de Patrick Geddes, concordariam que o referido conceito deveria incluir o planejamento da região que circunda a cidade; muitos, novamente encabeçados por Geddes e a Regional Planning Association of America, ampliá-lo-iam, fazendo abarcar a região natural, ou seja, uma bacia fluvial ou uma unidade geográfica com cultura regional própria. (...) também as relações entre as regiões: por exemplo, relação entre a megalópole em expansão e o despovoamento da zona rural.
O livro afirma, primeiro (...) O planejamento urbano no século XX, como movimento intelectual e profissional, representa essencialmente uma reação contra os males produzidos pela cidade do século XIX.
Em segundo lugar, (...) no planejamento urbano do séculoXX não há mais que umas poucas idéias-chave, e que estas só fazem reecoar, reciclar-se, reconectar-se. Cada uma, por seu turno, origina-se de um indivíduo-chave ou, quando muito, de um pequeno punhado de indivíduos: os verdadeiros pais fundadores do moderno planejamento de cidades.
* O Capítulo 2 discute sobre as origens oitocentistas do planejamento urbano do século XX. (...) Londres de meados de 1880, sociedade urbana torturada por tensões sociais e fermentação política enormes.
* O Capítulo 3 (...) o processo da suburbanização em massa.
* A primeira
e sem dúvida mais importante resposta à cidade vitoriana foi o conceito da cidade-jardim
de Ebenezer Howard, cavalheiro amador de grande visão e igual persistência,
que o concebeu entre 1880 e 1898. (...) no Capítulo 4 (...) Algumas dessas variantes,
bem como a visão howardiana mais pura, foram executadas por seus seguidores,
(...) Raymond Unwin, Barry Parker e Frederic Osborn na Grã-Bretanha; Henri Sellier
na França; Ernst May e Martin Wagner na Alemanha; Clarence Stein e Henry Wright
nos Estados Unidos. Outras foram concebidas independentemente, como a visão
da cidade linear, do espanhol Arturo Soria, ou a descentralizada Broadacre City
de Frank Lloyd Wright.
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* A segunda resposta (...) é a visão da cidade regional,
(...) vasto programa de planejamento regional, dentro do qual cada parte sub-regional
desenvolver-se-ia harmoniosamente com base nos seus próprios recursos naturais,
bem como num total respeito aos princípios de equilíbrio ecológico e pronta
substituição. As cidades, nesse esquema, ficam subordinadas à região: tanto
as velhas metrópoles quanto as novas cidades só crescerão como partes necessárias
do esquema regional. Logo após 1900, essa visão foi desenvolvida pelo biólogo
escocês Patrick Geddes, e interpretada durante os anos 20 pelos membros fundadores
da Regional Planning Association of America: Lewis Mumford, Clarence
Stein e Henry Wright, já citados, mais Stuart Chase e Benton MacKaye (...) no
Capítulo 5.
* A terceira linha coloca-se em total contraste, com as duas primeiras: é a tradição monumental do planejamento urbano, que recua até Vitrúvio, se não mais, ressurgindo poderosamente na metade do século XIX, pelas mãos de mestres urbanistas como Georges-Eugène Haussmann em Paris ou Ildefonso Cerda em Barcelona. No século XX, conforme mostramos no Capítulo 6, reapareceu em lugares bizarros e descombinados: serva do orgulho cívico aliado ao promocionismo comercial na América, expressão da majestade imperial na Índia e na África britânicas, e da independência recém-conquistada na Austrália, agente da megalomania totalitarista na Alemanha de Hitler e na Rússia de Stalin, na Itália de Mussolini e na Espanha de Franco.
* A solução de Le Corbusier ,segundo a qual um mestre urbanista todo-poderoso demoliria por completo a cidade existente, substituindo-a por outra feita de altas torres erguidas no meio de um parque, é discutida no Capítulo 7.
* (...) as formas construídas de cidades deveriam provir das mãos de seus próprios cidadãos. (...) Encontramos essa noção poderosamente presente no pensamento anarquista que tanto contribuiu para a visão howardiana da cidade-jardim na década final do século XIX, e em particular para as idéias geddesianas de recuperação urbana parcelada, entre 1885 e 1920. Ingrediente básico e poderoso do pensamento de Frank Lloyd Wright nos anos 30, e em particular de sua Broadacre City, (...) ideologia urbanística nas cidades do Terceiro Mundo, através do trabalho de John Turner - também ele saído diretamente do pensamento anarquista - na América Latina dos anos 60. (...) elemento crucial na evolução intelectual do teórico de arquitetura anglo-norte-americano Christopher Alexander, nessa década e na seguinte. (...)auge com o movimento de projeto comunitário que, entre os anos 70 e 80, invadiu os Estados Unidos e sobretudo a Grã-Bretanha, (...)tema central do Capítulo 8.
* (...) visão de uma cidade dotada de infinita mobilidade graças aos progressos obtidos na tecnologia dos meios de transporte, em especial o automóvel, (...) no Capítulo 9. Corrente que flui da admirável predição feita na virada do século por H.G.Wells sobre a suburbanização maciça do sul da Inglaterra, (...) projetos viários, (...) para Los Angeles em 1939 (...) a descrição de Melvin Webber sobre o domínio urbano do não-lugar, em 1963-1964. (...) os desurbanistas soviéticos dos anos 20, (...) o conceito de Soria sobre a cidade linear.
* (...) a partir dos anos 50, o planejamento (...) foi ele progressivamente adquirindo um corpo mais abstrato e mais formal de teoria pura. Parte dessa teoria, é teoria sobre planejamento: conhecimento das técnicas e metodologias práticas, (...) teoria do planejamento, é diferente: sob essa rubrica tentam os planejadores compreender a verdadeira natureza da atividade que exercem, incluídas as razões que lhe justificam a existência. (..) Capítulo 10
* (...) em meio século ou mais de prática burocrática, o planejamento degenerou numa máquina reguladora negativa, projetada para sufocar toda e qualquer iniciativa, toda e qualquer capacidade criadora. (...) o pensamento de esquerda retornou às raízes anarquistas, arbitrárias, pequena-escala, subversoras do planejamento; os redutos do pensamento de direita passaram a reclamar um estilo empresarial de desenvolvimento. Daí as mudanças, em vários países, para regimes de planejamento simplificado (...) Durante os anos 80, tal convicção, (..) emergiu em países como a Grã-Bretanha. (...) Capítulo 11.
* (...) meados dos anos 60 em diante: ao invés de melhorarem, certas partes de certas cidades - e sem sombra de dúvida, certas pessoas, estavam piorando, (...) Capítulo 12.
* Este livro apresenta, portanto, uma simetria incomum e inquietante: após um século de debates sobre como planejar a cidade, (...) Os teóricos retrocederam dràsticamente às origens anarquistas do planejamento; esta mesma cidade é vista de novo como um lugar de decadência, pobreza, mal-estar social, intranquilidade civil e possivelmente até mesmo de insurreição.
2. A Cidade da Noite Apavorante. Reações à Cidade Encortiçada do Século XIX: Londres, Paris, Berlim, Nova York (1880-1900)
(...) W.
T. Stead, famoso pelas denúncias sensacionalistas que publicava no vespertino
Pall Mall Gazette, do qual era redator-chefe, num editorial de outubro
de 1883, comentava que "o austero florentino poderia ter acrescentado vários
outros horrores à sua visão do inferno com uma breve permanência num cortiço
londrino". (...) pôs ele as mãos num panfleto recém-publicado por um pastor
congregacionalista, Andrew Mearns. Inteligentemente promovido por Stead, The
Bitter Cry of Outcast London (O Grito Amargo da Londres Marginalizada)
fez sensação. (...) levando diretamente à nomeação da Comissão Real para Moradia
das Classes
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Trabalhadoras, em 1884. Demonstrou, assim, ser um
dos mais influentes escritos em toda a história da reforma social britânica.
(...) "Cada quarto, nessas podres e fétidas moradias coletivas, aloja uma família, muitas vezes duas. Um fiscal sanitário registra em seu relatório haver encontrado, num porão, o pai, a mãe, três crianças e quatro porcos! Noutro, um missionário encontrou um homem com varíola, a mulher na convalescença de seu oitavo parto, e as crianças zanzando de um lado para outro, seminuas e cobertas de imundície. Aqui estão sete pessoas morando numa cozinha no subsolo, e ali mesmo, morta, jaz uma criancinha. Em outro local estão uma pobre viúva, seus três filhos e o cadáver de uma criança morta há treze dias. Pouco antes, o marido, um cocheiro, se havia suicidado" (...)
"Esses coitados precisam viver em algum lugar. Não podem dar-se ao luxo de ir de trem ou de bonde para os subúrbios, e como, com seus pobres e famintos corpos emaciados, podemos deles esperar - além de trabalharem doze horas ou mais, por um xelim ou menos - que caminhem três ou quatro milhas na ida e depois outras tantas na volta ?"
A COMISSÃO REAL BRITÂNICA DE 1885
(...) Logo após, acontecia a nomeação de uma Comissão Real de peso, presidida por Sir Charles Wentworth Dilke, o Príncipe de Gales, Lorde Salisbury e o Cardeal Manning. (...)
Ficou plenamente evidenciado que o normal, em Londres, era uma família ocupar um quarto, e que essa família podia ser até mesmo de oito pessoas. (...) E como a porta da frente raramente era fechada, à noite as escadas e os corredores povoavam-se do que a gíria britânica chamava ironicamente de appy dossers: ou sem-teto.
(...) Nos arrabaldes de Londres, a histórica Lei da Saúde Pública, de 1875, havia fornecido a base para um sistema de governo local mais efetivo, mas na capital ainda vigorava um modelo arcaico e caótico.
(...) Lei Torrens (Lei para Moradias de Artesãos e Operários, de 1868), que permitia às autoridades locais construirem novas moradias para as classes trabalhadoras, e a Lei Cross (Lei para a Melhoria das Moradias de Artesãos e Operários, de 1875), que lhes permitia demolir vastas áreas ocupadas por habitações inadequadas e realojar seus moradores, tendo ambas permanecido por largo tempo letra morta. (...) deveriam as autoridades locais estar autorizadas a pedir dinheiro emprestado ao tesouro pela taxa de juros mais baixa possível, (...) A Lei para a Moradia das Classes Trabalhadoras de 1885, implementou tais recomendações. Também ampliou a antiga Lei para Casas de Cômodos, de 1851, de autoria de Lorde Shaftesbury, (...) O problema, todavia, foi que as autoridades locais não moveram palha.
DEPRESSÃO,VIOLÊNCIA E AMEAÇA DE INSURREIÇÃO
A Lei Revisional de 1884 estendera o direito de voto a uma grande parte da classe trabalhadora masculina urbana. (...) As questões do momento, escreveu mais tarde Beatrice Webb, eram "de um lado, o significado da pobreza das massas humanas; e, do outro, a praticabilidade e a desejabilidade de uma democracia política e industrial que surgisse como uma compensação, talvez como uma forma de reparação, para as queixas da maioria do povo". Mas essas discussões eram para a intelligentsia: "Na verdade, nenhum setor das classes trabalhadoras destilava...‘o veneno do socialismo’...Nascidos e criados dentro da carência crônica e da enfermidade debilitadora, os alienígenas dos cortiços haviam afundado numa embrutecida apatia..."
(...) Os fabianos, apóstolos do gradualismo, aos quais Beatrice Webb aderiu prontamente, produziram um manifesto de primeira hora, onde se percebia a marca de George Bernard Shaw:
"Que o governo estabelecido não tenha o direito de denominar-se Estado, tanto quanto a fumaça de Londres não tem o direito de denominar-se ar."
"Que é preferível enfrentarmos uma guerra civil do que um novo século de sofrimentos como foi o presente"
H. M. Hyndman, líder da Social Democratic Foundation, escrevia, no mesmo ano, que "mesmo entre homens e mulheres inúteis, que a si próprios se apelidam de ‘sociedade’, correntes internas de mal-estar podem ser detectadas. ‘Revolução’, a palavra temível, é às vezes dita em voz alta por brincadeira, e mais amiúde cochichada com toda a seriedade" (..) "livros, panfletos e volantes metem-se por oficinas e sótãos, que discutem o problema em toda a sua extensão e profundidade. Teorias extraídas da grande obra sobre o Capital, do Dr. Karl Marx, ou do programa dos socialdemocratas da Alemanha e dos coletivistas da França, estão sendo difundidas de forma barata e legível" (...) "Entre as mais feias excrescências da sociedade moderna acham-se as numerosas gangues de rufiões organizados...que se pavoneiam por nossas grandes cidades e, muitas vezes, não contentes de espancarem-se mutuamente, molestam o pacífico transeunte" (...) a mais famosa delas, a "High Rip Gang" (...)
O verdadeiro terror que dominava a classe média, apesar do ceticismo de Beatrice Webb, era de que a classe trabalhadora se sublevasse.
O LEVANTAMENTO BOOTH: O PROBLEMA QUANTIFICADO
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Charles Booth, proprietário de navios em Liverpool, inspirado em The Bitter Cry, meteu-se pelo East End de Londres a fim de embarcar naquele que seria o primeiro levantamento social moderno. Auxiliado por um exército de assistentes jovens e capazes, entre os quais estava Beatrice Potter, mais tarde Webb, apresentou ele seus primeiros resultados diante da Royal Statistical Society em maio de 1887 (...)
Um grupo que leu com particular interesse esses resultados iniciais apresentados por Booth foi a Fabian Society, onde o trabalho paciente de desencavar fatos, desenvolvido por Sidney Webb, casava-se agora com a pena ácida de Bernard Shaw. A obra fabiana, clássica e definitiva, Facts for Socialists, de 1887, foi repetidamente reimpressa, dois anos depois, surgia, em continuação, Facts for Londoners.
(...) obedecendo à recomendação da Comissão Real para a Moradia das Classes Trabalhadoras, a lei do governo local de 1888 transferira as responsabilidades da Junta Metropolitana de Trabalho para um novo grupo democraticamente eleito, o London County Council (Conselho do Condado de Londres).
Berlim, onde a população estava crescendo a uma velocidade quase igual à norte-americana era, como Paris, populacionalmente saturada; seu crescimento foi acomodado em "casernas de aluguel" de cinco pavimentos, as Mietskaserne (...) Esse tipo de urbanização, iniciado, ao que parece, por Frederico, o Grande, para alojar famílias de soldados, generalizou-se em decorrência do plano urbano do burgomestre Jakob Hobrecht, em 1858; aparentemente projetado para promover a integração social, com ricos e pobres instalados no mesmo bloco de edifícios, ele simplesmente produziu uma saturação populacional lastimável, (...) conforme cálculos do pioneiro do planejamento britânico T. C. Horsfall em 1903, (...)
Patrick Abercrombie, o planejador britânico, ao visitar Berlim pouco antes da Primeira Grande Guerra, ficou intrigado com o contraste que essa cidade oferecia em relação a Londres: (...) tanto em Londres como em Berlim, aumentava o temor de que a população urbana fosse, de certo modo, biologicamente incapaz. (...) na Primeira Grande Guerra, a Comissão Verney reafirmava que a compleição física do segmento urbano da Grã-Bretanha tendia a deteriorar-se, mantendo-se ùnicamente graças ao recrutamento feito no interior. (...) se deduziu que a população urbana iria falhar em sua auto-reprodução, argumento utilizado primeiramente por Georg Hansen em seu livro Die drei Bevölkerungsstufen (As Três Etapas do Crescimento Populacional), de 1890, e desenvolvido por Oswald Spengler no clássico The Decline of the West (A Decadência do Ocidente), de 1918 (...)
Charles Masterman, parlamentar liberal, mostrou em seu livro, The Heart of the Empire (1901), que o londrino era um tipo instável (...) na Alemanha de 1920, die Angst vor der Stadt (o medo à cidade) era medo da decomposição social.
NOVA YORK: O TUMOR NAS HABITAÇÕES COLETIVAS
Andrew Lees em seu monumental estudo sobre comportamentos urbanos do século XIX, medo e aversão à cidade eram um fenômeno tipicamente anglo-germânico (...)
Os intelectuais foram unânimes. Henry James escrevia que "Nova York era a um tempo esquálida e dourada, e mais valia evitá-la que desfrutá-la" (...) Josiah Strong, que em 1885 (...) Alan Forman, no American Magazine de 1885, escrevia (...) Em 1892, o New York Times queixava-se da invasão dos "indigentes físicos, morais e mentais" da Europa, (...) o American Journal of Sociology, em 1897, "grandes cidades são grandes centros de corrupção social e...degeneração". F. J. Kingsbury, em 1895, que (...)
O homem que deu forma a tais sentimentos foi Jacob Riis: um dinamarquês de origem rural que emigrou para Nova York em 1870, com 21 anos de idade, tornando-se jornalista sete anos depois. O seu How the Other Half Lives (Como Vive a Outra Metade), publicado em 1890, despertou uma sensação sinistramente semelhante ao impacto provocado em Londres por The Bitter Cry, sete anos antes. (...)
Mas agora os prédios de habitação coletiva espalhavam-se por toda a parte, (...) como os de Berlim, um projeto de moradia pretensamente aperfeiçoado: desenvolvido num concurso público de 1879, o famigerado conjunto em forma de haltere, o dumb-bell, (...) Duas sucessivas Comissões para Prédios de Habitação Coletiva, em 1894 e 1900, confirmaram as péssimas condições de vida oferecidas por esses alojamentos; a segunda foi seguida de uma legislação, em 1901, "o mais significativo ato regulamentador jamais ocorrido na história da moradia na América", que punha fora da lei a construção de novos dumb-bells, e obrigava a que se modificassem os existentes. Seu secretário, Lawrence Veiller, (...) Dentro de sua visão pessoal do problema, muitas das questões urbanas derivavam do fato de ter ocorrido uma transição excessivamente rápida do camponês europeu para o urbanita norte-americano, o que ele se proporia remediar via um maciço reassentamento rural. (...) na cidade, uma ação drástica (...) era provê-los de mais luz, mais ar, novos banheiros e de uma proteção mais eficiente contra incêndios.
"Os
distritos de Nova York ocupados por prédios de habitação coletiva (...) São
focos de doença, pobreza, vício e crime, onde o que surpreende não é que algumas
crianças cresçam para serem ladrões, bêbados ou prostitutas, mas que tantas
consigam tornar-se adultos decentes e responsáveis"
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A Comissão estava de pleno acordo com a Comissão Real
Britânica de 1885. Mas no tocante às soluções, Veiller e seus companheiros divergiram
veementemente dos caminhos tomados pelos ingleses e, por conseguinte, dos europeus.
(...) Além do mais, sentiam eles que a moradia fornecida pelo município levaria
a uma pesada burocracia, ao apadrinhamento político, ao desencorajamento do
capital privado. (...)
De qualquer modo, em comparação com a Europa, a causa da habitação como dever do estado sofria com isso um retrocesso de décadas, como, aliás, iria lamentar, nos anos 30, Catherine Bauer.
As razões intrigaram os historiadores. Pois elas implicavam, nos EUA, um divórcio entre as artes nascentes do planejamento habitacional e do planejamento urbano. O planejamento norte-americano, nos seus primórdios, como virá à tona no Capítulo 6, fora dominado pelo Movimento City Beautiful, e isso significava planejar sem propósitos sociais - ou até com propósitos retrógrados: o movimento zoneador, era, no mínimo, socialmente excluidor, em seu intuito e impacto. (...)
Segundo Peter Marcuse, o planejamento passou a depender ùnicamente da "aliança dos interesses imobiliários com os eleitores de renda média e casa própria", que não tinham qualquer interesse em programas para realojamento do pobre, num nítido contraste com a Europa, onde uma forte consciência operária aliou-se a uma burocracia intervencionista.
O que surgiu, em contrapartida, foi algo singular e inconfundivelmente norte-americano: um movimento voluntário dedicado a salvar o imigrante (especialmente a imigrante) de seus próprios erros e excessos, socializando-o dentro dos padrões de vida norte-americanos, e adaptando-o à vida urbana.
(...) Jane Addams, em sua primeira visita à Inglaterra, ficara impressionada ao ler The Bitter Cry of Outcast London. Numa segunda viagem, em junho de 1888, aconteceu-lhe ouvir, o cônego Samuel Barnett pregar a instalação de um centro de assistência social cristã em St. Jude, no Leste londrino, "a pior paróquia de Londres". No ano seguinte, tomava a si o encargo de estabelecer um centro similar em Chicago. Localizada no meio de quatro comunidades de imigrantes pobres - italianos, alemães, judeus e ciganos - Hull House contava com uma equipe de jovens universitários profundamente religiosos, a maioria do sexo feminino. (...)
(...) O objetivo era integrar o imigrante na cidade, primeiro através do exemplo moral individual, e segundo através da coerção moral. (...) Mas, terceiro, de uma melhoria sistemática do ambiente urbano, mediante a instalação de parques e áreas de recreio e, mediante um sistema mais amplo de parques municipais, que - na opinião do pai da arquitetura paisagística norte-americana, Frederick Law Olmsted - exerceria uma "influência harmonizadora e refinadora...favorável à cortesia, ao autocontrole e à temperança". (...) embora a própria Jane Addams não demonstrasse qualquer tendência para essa "salvação geográfica". Veio daí a idéia de que a própria cidade pudesse engendrar lealdade cívica, e assim assegurar uma ordem moral harmoniosa; a aparência física da cidade simbolizaria sua pureza moral. Esse passou a ser o dogma básico do Movimento City Beautiful. (...) Em termos práticos, Jane Addams seguiu a receita Lawrence Veiller: desempenhou um papel-chave na abertura do inquérito de Robert Hunter sobre o problema da moradia dentro dos conjuntos de habitações coletivas de Chicago, e resultou num decreto municipal de 1902 para conjuntos de habitações coletivas.
Os pobres que se amontoavam em Londres, vindos do Wessex ou de East Anglia, ou em Nova York, vindos da Itália e da Polônia, estavam verdadeiramente melhor fora de suas terras do que nelas; ou pelo menos era assim que pensavam, e ninguém melhor do que eles para sabê-lo.
3. A Cidade do Desvio Variegado. O Subúrbio do Transporte de Massa: Londres, Paris, Berlim, Nova York (1900-1940)
A cidade dispersou-se e desconcentrou-se. Novas casas, novas fábricas, foram construídas em sua periferia. Novas tecnologias do transporte - o bonde elétrico, o trem elétrico de interligação com o centro, o metrô, o ônibus - permitiram que esse processo de suburbanização se concretizasse.
O CONSELHO DO CONDADO DE LONDRES COMEÇA A CONSTRUIR
Logo ao iniciar-se o novo século, (...) Charles Booth publicou outro documento, exaltando agora as virtudes da "melhoria nos meios de locomoção como um primeiro passo para a solução das dificuldades de habitação em Londres". (...) Embora a Comissão Real de 1885 recomendasse que as classes trabalhadoras fossem realojadas no centro, durante a década de 90 essa idéia foi rapidamente posta de lado.
A maioria
progressista - isto é, de influência fabiana - dominou o Comitê da Habitação
do LCC desde o início, em 1890. Achando que estava sendo impedido de construir
na periferia de seus próprios limites intra-urbanos de Londres o LCC pressionou
o Parlamento até conseguir que em 1900 se aprovasse uma emenda que
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lhe permitia construir grandes conjuntos de "habitações para a classe
trabalhadora" nas regiões verdes dos limites do condado e até para além
deles. (...)
Em 1889, os membros do Conselho mobilizaram-se para comprar os campos de Totterdown, situados em Tooting, sul de Londres. O que viabilizou sua urbanização foi a eletrificação dos bondes que o LCC adquirira de interesses privados poucos anos antes. (...) Uma segunda área periférica, situada em Norbury, junto à área do LCC, (...) Uma terceira, White Hart Lane, em Tottenham, norte de Londres, o LCC confiara na instalação de uma linha do metrô, mas a linha não foi aprovada.
No quarto local, Old Oak, oeste de Londres, o conjunto foi planejado ao redor de um ramal da Central London Railway (...) um exemplo clássico de colônia-satélite, planejado ao redor de uma linha de transporte vinda da cidade; antecipa em mais de uma década o que Bruno Taut iria fazer em Onkel Tom Hütte, na Berlim dos anos 20, e Sven Markelius faria em Vällingby e Farsta, Estocolmo, no período de 1955 a 1965.
(...) o estilo LCC dos primeiros tempos era idêntico, em espírito e resultado prático, ao adotado, naqueles mesmos anos, por Raymond Unwin e Barry Parker em New Earswick Garden Village, arrabalde de York, em Letchworth Garden City e em Hampstead Garden Suburb, e que constitui o foco central do Capítulo 4.
(...)Os arquitetos LCC nem sempre foram tão felizes.No primeiro de seus projetos,completado em 1900 - o conjunto residencial da Rua Boundary,em Shoreditch,esquema de realojamento em área central que substitui o Jago,célebre cortiço do século XIX -,puderam eles obter um efeito notável:espécie de palácio para pobres,impressionante ainda hoje,apesar de passados quase noventa anos.Mas em seus primeiros esquemas - 1261 casas em Totterdown Fields(1903-1909),881 casas em White Hart Lane(1904-1913)e 472 em Norbury(1906-1910) - o quadriculado foi mais forte(...)
Só depois de 1910 começaram a soltar-se.Na pequena área destinada a 304 casas em Old Oak,Hammersmith, trabalharam com toda a liberdade,puderam construir em ruas curvas em torno da estação do metrô,tendo como fundo o vasto espaço verde de Wormwood Scrubs.
OS PRIMEIROS ESQUEMAS DE PLANEJAMENTO URBANO
(...)Hoje,num curto giro pela zona oeste de Londres,o estudioso atento da história do planejamento pode reconhecer três clássicos da primeira época: o conjunto residencial de Old Oak,do LCC de 1912-1914,próximo a ele o cooperativo subúrbio-jardim dos Mutuários de Ealing,1906-1910,e Ruislip-Northwood.(...)
NOVA YORK DESCOBRE O ZONEAMENTO
Os norte-americanos já haviam feito coisa melhor.Seus clássicos subúrbios do século XIX e início do XX,todos eles planejados em torno de estações ferroviárias de interligação com o centro - Llewellyn Park,em Nova Jersey,Lake Forest em Riverside,arrabalde de Chicago,Forest Hills Gardens em Nova York - tinham todos um padrão de projeto conspicuamente alto; Riverside,como veremos no Capítulo 4,foi quase com certeza um dos modelos utilizados por Ebenezer Howard em sua cidade-jardim.
(...)Nova York inaugurou seu primeiro trecho de metrô em 1904(...)Entretanto,como efeito indireto do trabalho de Veiller,surgiu a Comissão para a Superpopulação,criada graças aos esforços dos líderes de centros assistenciais em 1907,e que,em seu relatório de 1911,declarou-se a favor da descentralização através do sistema de transporte.(...)transporte melhor era faca de dois gumes:também poderia significar uma saturação populacional até pior do núcleo urbano,visto que traria mais trabalhadores para dentro dele e contribuiria para uma crescente valorização do solo.Eis o paradoxo que só uma medida complementar que impusesse restrições à altura e à concentração dos edifícios poderia resolver.
O secretário executivo da Comissão era Benjamin C. Marsh,um advogado e reformista social,seu colega visitante,um advogado nova-iorquino chamado Edward M. Bassett. Marsh,em especial,escolheu Frankfurt e seu Bürgermeister Franz Adickes,como o modelo a ser seguido pelas cidades norte-americanas.(...)
Portanto ,o zoneamento chegou a Nova York vindo da Alemanha,(...)foi o modelo alemão de zoneamento conjugado de uso do solo e altura de edifícios que,importado pela cidade de Nova York quando da aprovação da lei de zoneamento de 1916,constitui o mais significativo avanço já registrado na história ainda incipiente do planejamento urbano norte-americano.
(...) No mesmo ano da aprovação da lei em Nova York,John Nolen,concordando com um escritor inglês, afirmaria que o planejamento norte-americano só tinha como meta o progresso urbano quando este não colidia com interesses paramentados. E como foi de Nova York que o zoneamento, como movimento,se espalhou pela nação inteira, essa foi a imagem que dele ficou.
(...) em
1921, Herbert Hoover,no cargo de ministro do Comércio, criou um Comitê Consultivo
para Zoneamento que incluía Bassett e Veiller; daí resultou uma Lei de Incentivo
ao Zoneamento Estatal Padronizado, de 1923, amplamente adotada e à qual se seguiu,
em 1927, uma Lei de Incentivo ao Planejamento Urbano Padronizado, adotada por
vários Estados a fim de darem autoridade legal aos planos diretores municipais.
E uma série de questões legais sobre limites, que culminaram no histórico caso
de 1920, Povoado de Euclid, Ohio, et al.
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vs. Ambler Realty Company, estabeleceu a validade do zoneamento como legítima
expressão do geral poder de polícia. (...) Em Euclid vs. Ambler, o grande planejador-advogado
Alfred Bettman declarava que o "bem-estar público" servido pelo zoneamento
consistia na valorização das propriedades da comunidade. (...)Ou nas palavras
de um comentador tardio [F. J. Popper(1981)]:
"O objetivo básico do zoneamento era mantê-Los em seus lugares - fora."
LONDRES: O METRÔ ACARRETA O ESTIRAMENTO SUBURBANO
(...) Acima de tudo, o crescimento da construção habitacional com fins lucrativos ao redor de Londres dependia do transporte sobre trilhos. No interior da Inglaterra,ao contrário do que ocorria em Londres,esse sistema estava nas mãos da iniciativa privada: especificamente do grupo Underground e das companhias Southern e a London and North Eastern.
(...) Mas o mais colorido exemplo nos é dado pela trajetória percorrida por Charles Tyson Yerkes (1837-1905) (...) "homem não confiável". Foi ele que desenvolveu o sistema de linhas de bonde de Chicago (...) e quase provocou um levante popular,o mais prudente era deixar a cidade. Londres foi um natural ponto de atração.(...)em 1901, Yerkes adquirira boa parte da rede londrina existente e nova,e a consolidara numa nova companhia, a Underground Eletric Railway of London Limited,empenhando-se numa luta titânica com outro magnata norte-americano, J. Pierpont Morgan, pelo direito de construir novas linhas de metrô em Londres.
(...)No ano seguinte à morte de Yerkes,George Gibb,seu sucessor como presidente da UERL,contratava Frank Pick.(...)os diretores da UERL acataram a vontade dos interesses norte-americanos que os controlavam e indicaram para o posto de gerente geral Albert Stanley.Stanley(mais tarde,Lorde Ashfield) e Pick,homens de personalidades muito diferentes,mas complementares,iriam formar controversamente a mais importante equipe de gerenciamento já conhecida na história do transporte público urbano; Ashfield iria tornar-se presidente,e Pick o vice-presidente e principal administrador executivo.Em 1912,quando a UERL assumiu a direção da London General Omnibus Company,Pick começou a implantar linhas subsidiárias de ônibus a partir dos terminais do metrô,conforme o modelo original de Yerkes para o plano dos bondes. "Onde terminam os trilhos começam os ônibus",ampliando cinco vezes mais a área servida.
(...)em fins da década de 30 - quando os últimos ramais do metrô foram concluídos - o sistema como um todo atingira o seu limite.
(...)Em seu livro,que tanta influência teve,The Home I Want(O Lar que Eu Quero,1918),este reformador do sistema habitacional que foi o capitão Reiss iria afirmar que "todos em geral concordam,até os que acreditam na iniciativa privada,que não há outra política a adotar de imediato,no pós-guerra" senão a da construção promovida por autoridade local.(...)Quase da noite para o dia,o problema da habitação para as classes trabalhadoras tornou-se de responsabilidade pública.O resultado,entre as duas guerras mundiais,foi o aparecimento de mais de um milhão de moradias construídas pelas autoridades locais.
(...)A considerável e precoce reputação de Unwin deveu-se a seus projetos para a primeira cidade-jardim,em Letchworth,e para o subúrbio-jardim de Hampstead,dos quais nos ocuparemos no Capítulo 4.(...)seu nome foi indicado para o Comitê da Habitação presidido por Sir John Tudor Walters,que apresentou um relatório em outubro de 1918.
Esse documento constitui um dos fatores que mais poderosamente influiu no desenvolvimento da cidade britânica do século XX.Na essência,eram quatro as propostas por ele apresentadas.Primeira: (...)autoridades locais subsidiadas,evidentemente,pelo governo - poderiam executar perto de 500.000 casas num curto espaço de tempo,100.000 por ano;(...)Segunda: que as autoridades locais deviam construir principalmente em terra barata e não urbanizada,(...)Terceira: densidades máximas de doze casas unifamiliares por acre,(...)Quarta: que para garantir-se a boa qualidade do projeto,as plantas deveriam ser elaboradas por arquitetos e aprovadas pelos delegados da Junta do governo local e seu equivalente escocês.
O relatório representou um triunfo pessoal para Unwin.Todas as idéias básicas,extraídas do seu panfleto Nothing Gained by Overcrowding!(Nada se ganhou com a Superlotação!,1912),foram adotadas:distância mínima de 70 pés entre uma casa e outra para garantir a luz solar no inverno,uso de sobrados geminados em fileiras de curta extensão,um jardim para cada família,preservação do fundo do terreno vazio como espaço recreacional,enfatização da necessidade de becos para as crianças brincarem a salvo.(...)No dia seguinte ao Armistício,Lloyd George anunciava "moradias dignas dos heróis que ganharam a guerra"(...)
Neville
Chamberlain reagiu: "Concordo que nosso problema habitacional chegou a
um ponto tal que constitui uma ameaça à estabilidade do Estado" Lloyd George
voltou a insistir: "Dentro em pouco,talvez tenhamos três quartos da Europa
convertidos ao bolchevismo,a Grã-Bretanha poderia resistir mas para isso teria
de conquistar a confiança do povo...Mesmo se
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custasse um milhão de libras,o que é isso comparado com a estabilidade do
Estado?"
"O dinheiro que vamos agora gastar em habitação é um seguro contra o bolchevismo e a revolução"
(...)Havia dois grandes remédios: construir para cima ou mudar.(...)o testemunho dos médicos sanitaristas e assistentes sociais tornou claro que "a casa independente é o que atrai o trabalhador"(...)Entre 1919 e 1933-1934,as autoridades locais construíram,na Grã-Bretanha,763.000 casas(...)Construíram-nas obedecendo à recentíssima prescrição de Unwin,sob forma de satélites periféricos ao invés de cidades-jardim independentes.
Antes da I GG,a esmagadora maioria da população morava em casas alugadas.Terminado o conflito,numerosos fatores conspiraram para persuadir milhões de indivíduos de classe média a comprarem suas casas.Os bons salários pagos a uma ampla camada da população - especialmente ao novo grupo dos colarinhos-brancos e aos trabalhadores qualificados de colarinho-azul,entraram em rápida ascensão.
(...)Tendo o Royal Institute of British Architects banido a prática da arquitetura com fins lucrativos em 1920,a vasta maioria dessas casas - quase três milhões delas entre as duas guerras - foi projetada por assistentes não qualificados ou teve seu modêlo extraído de livros ou revistas.Só na década de 30 começaram as firmas maiores a empregar arquitetos.
(...)O modelo resultante foi imortalizado pelo caricaturista Osbert Lancaster,como "desvio variegado"(...) "qualquer que fosse o lugar ocupado na hierarquia esnobística,todos os subúrbios ostentavam a mesma característica de casas unifamiliares dentro de jardins e em ambiente razoavelmente afastado da sujeira,do barulho e da aglomeração da cidade"(...)
Mas os arquitetos não gostaram,não pouparam insultos aos subúrbios,cuja falha principal estava em divergirem de todos os padrões básicos do bom gosto: o neogeorgiano ou o moderno sem concessões adotado pelos jovens membros do CIAM.Ao invés disso,seu aconchegante vernacular de imitação derivava de uma tradição arquitetônica muito mais antiga,iniciada por John Nash em Blaise Hamlet e Park Village West,e desenvolvida como grande arte por vitorianos tardios como Philip Webb,Norman Shaw e Raymond Unwin.(...)Coube a Osbert Lancaster expressá-lo melhor:
"Se um arquiteto de incomum energia,diligente ingenuidade e(...)de como melhor realizar o máximo de inconveniência na forma e distribuição,sob um único teto,(...)que vasculhasse a história da arquitetura em busca dos menos atrativos materiais e projetos conhecidos do passado,(...)"
Clough William-Ellis,em England and the Octopus (A Inglaterra e o Polvo,1928),descrevia as urbanizações "como piolhos sobre uma tênia".
Em 1938,William-Ellis voltou ao ataque com Britain and the Beast (A Inglaterra e a Fera),volume de ensaios editado por figuras exponenciais da época,como Keynes,E. M. Forster,C. E. M. Joad,G. M. Trevelyan e outros.
Thomas Sharp,talvez o escritor que mais prolificamente se ocupou de problemas urbanísticos no início dos anos 30,assumiu uma linha mais dura.(...)O remédio virá através dos "grandes e novos blocos de prédios de apartamentos que alojarão parte considerável da população da cidade futura".Foi assim que Sharp aderiu às fileiras corbusianas,distanciando-se em definitivo da tradição cidade-jardim.
Na verdade,um sentimento partilhava ele,na época,com os corbusianos e os comentadores em geral: o horror ao que Anthony King chamou de democratização do campo,ou seja,a invasão pela classe média baixa e pelo operariado de uma área até então reservada a uma elite aristocrática e classe média alta.Joad,em seu ensaio de 1938,expressou-o de forma reveladora:
(...) "Onde houver água,há gente: nas praias,nas ribanceiras,deitada em atitudes de uma sordidez despida e deselegante,grelhando os corpos ao sol,na frente de todos,como bifes.(...)"
(...)algumas poucas vozes discordantes.(...)da jovem Evelyn Sharp,secretária do Comitê Consultivo para Desenvolvimento da Cidade e do Campo do Ministério da Saúde,que escrevia sobre a necessidade de "lembrar que o campo não é um lugar reservado às classes ricas e ociosas.(...)"
Em 1938,os William-Ellis e os Joads ganharam um novo e poderoso aliado.Em cada uma de suas aparições públicas dos anos 20 e 30,Frank Pick lamentava a oportunidade que se estava perdendo com a falta de projetos.
Neville
Chamberlain,ao tornar-se primeiro-ministro em fins de 1937,imediatamente pôs
em atividade uma Comissão Real para a Distribuição Geográfica da População Industrial,presidida
por Sir Anderson Montague-Barlow.Em seu depoimento para a Comissão Barlow,Pick
chegara à conclusão de que,se Londres crescesse além do limite mágico de 12
a 15 milhas estabelecido pelo sistema de metrô, "necessariamente deixará
de ser intrinsecamente Londres...um conceito unitário".Portanto,afirmava,Londres
precisa parar de crescer.
4. A Cidade no Jardim. A Solução Cidade-Jardim: Londres, Paris, Berlim, Nova York (1900-1940)
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Ebenezer Howard (1850-1928) leva a palma como a mais importante e singular personalidade de toda esta história.(...)Há quem pense,ainda hoje,que seu intento era confinar as pessoas em cidadezinhas isoladas em pleno campo,quando ele simplesmente propunha o planejamento de conurbações com centenas de milhares,quiçá milhões de habitantes.
(...)Publicado em 1898 com o título To-morrow:A Peaceful Path to Real Reform(Amanhã:Um caminho Tranqüilo para a Reforma Autêntica),ganhou nova edição em 1902 com o título de Garden Cities of To-morrow
AS FONTES DAS IDÉIAS HOWARDIANAS
Suas idéias,ele as desenvolveu na Londres de 1880 e 1890,época de fermentação radicalista que descrevemos no Capítulo 1.Nascido na City de Londres em 1850 - fato comemorado em placa afixada na ponta extrema da imensa reurbanização do Barbican - ao completar 21 anos,emigrou para a América,de 1872 a 1876,passou a morar em Chicago e presenciou a reconstrução da cidade após o incêndio de 1871.Chicago era universalmente conhecida como a cidade-jardim.Ele deve ter visto o novo subúrbio-jardim de Riverside,projetado pelo grande arquiteto-paisagista Frederick Law Olmsted,(...)
De volta à Inglaterra,pôs-se seriamente a meditar e a ler.(...)Edward Gibbon Wakefield,cinquenta anos antes,desenvolvera a idéia de uma colonização planejada para os pobres.(...)tão logo uma cidade atingisse determinado tamanho,dever-se-ia começar uma segunda,separada da anterior por um cinturão verde:origem do conceito de cidade social,admitia Howard.O plano de James Silk Buckingham para uma cidade-modelo deu-lhe a maioria dos traços básicos para o seu diagrama de cidade-jardim:a praça central,as avenidas radiais e as indústrias periféricas.Povoados industriais que foram pioneiros no campo,como Port Sunlight,de Lever,perto de Liverpool,e Bournville,de Cadbury,nos arredores de Birmingham,forneceram-lhe não só um modelo físico como uma ilustração prática de descentralização industrial bem-sucedida a partir da cidade superpovoada.
O economista Alfred Marshall,num artigo de 1884,sugerira que havia "amplos setores da população de Londres cuja remoção para o campo seria,a longo prazo,economicamente vantajosa - beneficiando por igual tanto os que se mudavam quanto os que ficavam para trás".Seu raciocínio baseava-se no fato de que novas tecnologias iriam viabilizar essa dispersão - idéia retomada pelo anarquista Piotr Kropotkin em seu Fields,Factories and Workshops(Campos,Fábricas e Oficinas),de 1898,e que certamente influenciou Howard.(...)
De Herbert Spencer tirou ele a idéia da nacionalização da terra,(...)Na verdade,cada uma de suas idéias pode ser encontrada no passado e,com frequência,repetida à exaustão:Ledoux, Owen, Pemberton, Buckingham e Kropotkin,todos projetaram cidades para populações limitadas,circundadas por cinturões verdes de terras cultivadas; More, Saint-Simon, Fourier,todos projetaram cidades como elementos de um complexo regional;Marshall e Kropotkin viram o impacto que o desenvolvimento tecnológico produzia sobre a localização das indústrias,sendo que Kropotkin e Edward Bellamy também perceberam que isso iria favorecer as pequenas oficinas.Mas embora atraído pelo sucesso de livraria que era o Looking Backward(Olhando para Trás,1888),de Bellamy,Howard não aceitou seu gerenciamento socialista centralizado e sua insistência em subordinar o indivíduo ao grupo,que ele considerava como manifestações de autoritarismo.
(...)Movimento Regresso à Terra,que (...)floresceu em meio à intelligentsia entre 1880 e 1914: genuíno movimento alternativo,similar,sob vários aspectos,aos movimentos irrompidos em 1960 e 1970.Pelo menos 28 comunidades desse tipo podem ser rastreadas no século XIX,mas de todas elas apenas cinco ou seis eram rurais; seus habitantes incluíam socialistas utópicos,socialistas agrários,membros de seitas religiosas e anarquistas.
A CIDADE-JARDIM E A CIDADE SOCIAL
(...)famoso diagrama dos Três Ímãs(...)A cidade-jardim teria um limite fixo - Howard sugeriu 32000 habitantes para 1000 acres de terra,perto de uma vez e meia mais que a cidade histórico-medieval de Londres.A seu redor,uma área muito mais larga de cinturão verde perene,também de propriedade da companhia - Howard propôs 5000 acres(...)
A crescente transferência de pessoas para o lugar faria com que a cidade-jardim atingisse o limite planejado; e então começar-se-ia outra,a pouca distância dali.(...)
Howard deu a essa visão policêntrica o nome de cidade social.(...)esse conglomerado de cidades-jardim,e não a cidade-jardim individualizada,é que constituía a realização física da cidade-campo:o terceiro ímã.
(...)Conforme adianta,acertadamente,Lewis Munford em sua introdução ao livro(1946),Howard estava muito menos interessado em formas físicas do que em processos sociais.A chave de tudo estava em que os cidadãos seriam proprietários perpétuos da terra.(...)
Howard pôde,assim,argumentar
que seu sistema constituía um terceiro sistema socioeconômico,superior tanto
ao capitalismo vitoriano quanto ao socialismo centralizador e burocrático.Suas
tônicas seriam:gerenciamento local e autogoverno.(...)as pessoas construiriam
suas próprias casas com capital fornecido por sociedades construtoras,associações
de ajuda mútua,cooperativas ou sindicatos.E essa atividade passaria,em troca,a
dirigir
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a economia; quarenta anos antes de John Maynard Keynes
ou de Franklin Delano Roosevelt,Howard chegara à conclusão de que a sociedade
poderia sair de uma recessão às suas próprias custas.
Ela o faria,contudo,sem a intervenção central e em grande escala do Estado.O plano de Howard devia realizar-se através de milhares de pequenas empresas:todo homem e toda mulher seriam um artesão,um empresário.
LETCHWORTH E HAMPSTEAD: UNWIN E PARKER
(...),Howard tomou a iniciativa de organizar uma Garden City Association para discutir suas idéias,(...)Um ano mais tarde,em 1900,decidia-se a formação da First Garden City Limited,dois anos depois,a Garden City Pioneer Company.(...)Letchworth,a 34 milhas de Londres,satisfez os critérios(...)Assim,os primeiros moradores foram aqueles idealistas típicos da classe média,artistas que deram a Letchworth uma permanente reputação de excentricidade que ela mais tarde deixou de merecer:(...)
Logo,porém,os excêntricos classe média do início foram suplantados pelos trabalhadores de colarinho azul que passariam a constituir a raison d’être da cidade-jardim.Mas estes,por uma curiosa ironia,ao invés de participarem do espírito cooperativista do empreendimento,optaram pelo sindicalismo e pelo socialismo.
(...)Mas acima de tudo foi nas mãos de Raymond Unwin (1863-1940) e Barry Parker (1867-1947) que encontrou sua perfeita realização física.
(...)Nenhum deles foi formalmente treinado para arquiteto; Unwin começou como engenheiro,Parker como decorador de interiores.(...)
Unwin logo se tornou um socialista na linha de William Morris,juntando-se ao grupo Sheffield organizado por Edward Carpenter,um dos fundadores da Fabian Society,onde Kropotkin era interpretado como a união entre ofício artesanal e trabalho intelectual.Antes de 1900,trabalhou no projeto de chalés para povoados de mineiros em sua região natal.Daí nasceu o livro Cottage Homes and Common Sense(Casinhas de Campo e o Senso Comum,1902),eloqüente defesa da melhoria da habitação para a classe trabalhadora: (...) "se,ao invés de desperdiçados em quintais acanhados e sujas ruelas traseiras,os espaços disponíveis das várias casas fossem reunidos num só,teríamos uma praça ou um jardim respeitáveis" (...)
Já naquele ano,Parker e Unwin trabalhavam em uma de suas primeiras e mais importantes encomendas:a aldeia-jardim de New Earswick para a família do chocolate Rowntree,(...)
Unwin confessou ainda não conhecer,à época da elaboração do projeto,a obra de Camillo Sitte,Die Städtebau nach der künstlerischen Grundsätzen(A Urbanização segundo as Doutrinas Estéticas),publicada há cerca de uma década,e onde se dava ênfase às qualidades informais das cidades medievais,lição que Unwin jamais esqueceria.Town Planning in Practice(Planejamento Urbano na Prática),publicada em 1909 - apenas meia década depois de Letchwoth -,é memorável sobretudo pelos esplêndidos desenhos de velhas cidades e aldeias inglesas,francesas e alemãs,com base nos quais ele desenvolveu seu conhecimento sobre as relações existentes entre edifícios e espaços.(...) "Acima de tudo,precisaremos infundir o espírito do artista em nosso trabalho"(...) "Tanto no planejamento da cidade quanto do terreno,é importante evitar-se a separação total das diferentes classes de pessoas,o que constitui uma característica da cidade inglesa moderna"
(...)A Lei de Habitação e Planejamento Urbano de 1909 facultou a "sociedades de utilidade pública"desse tipo a possibilidade de tomarem dinheiro emprestado a juros baixos e,em 1918,havia mais de cem delas.
Hampstead,era negócio bem maior.Sua genitora foi Dame Henrietta Barnett,(...)Em puro estilo inglês classe média,a Sra Barnett decidiu iniciar uma campanha de compra de terras para ampliar Hampstead Heath e assim frustrar as ambições imobiliárias dos empreendedores.(...)Imediatamente se montou um grupo empresarial para o fornecimento de 8000 casas; Unwin e Parker foram os arquitetos escolhidos.(...)
Mas na Praça da Cidade,Unwin acata integralmente as diretivas de Lutyens,o projetista das duas grandes igrejas e do instituto adjacente.O resultado é um exercício anômalo,pesadamente formal dentro da tradição City Beautiful: (...)com a suspeita aparência de um anteprojeto de acesso ao palácio do vice-rei,em Nova Delhi (Capítulo 6).
(...)Projetada por Louis de Soissons no estilo neogeorgiano,Welwyn é muito mais formal do que Letchworth ou Hampstead,sobretudo por sua enorme alameda central,no estilo Lutyens,de quase uma milha de comprimento: espécie de cidade-jardim monumental,uma "Garden City Beautiful".
O MOVIMENTO CIDADE-JARDIM ENTRE AS DUAS GUERRAS
Em 1912,Unwin recomendara a construção de "cidades-satélites"próximas dos municípios,subúrbios-jardim dependentes do município para a obtenção de empregos.(...)
Os satélites interioranos constituíram exceções parciais.Wythenshawe,projetado por Barry Parker para Manchester em 1930,é realmente um dos que resistem.(...)
Seu notável
feito consiste em introduzir três princípios do planejamento norte-americano,(...).O
primeiro é o princípio da unidade de vizinhança(...)O segundo é o princípio
do esquema Radburn,que Clarence Stein e Henry Wright haviam desenvolvido em
seu plano para a cidade-jardim do mesmo nome,em 1928,(...)O terceiro é o
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princípio da parkway que Parker havia observado na
região de Nova York mas que agora empregava de maneira absolutamente original.
O primeiro,pela ordem,foi,não há dúvida,o engenheiro espanhol Arturo Soria y Mata (1844-1920),que expôs seu conceito de La Ciudad Lineal num artigo de revista de 1882,desenvolvendo-o num projeto de 1892.(...)Mas a cidade linear nunca passou de um subúrbio-dormitório urbanizado segundo as leis da especulação comercial.
Soria alimentava sonhos ainda mais grandiosos no sentido de implantar cidades lineares por toda a Europa,o que,em 1928,após sua morte,inspirou a formação de uma Association Internationale des Cités Linéaires,cujo cérebro foi o influente planejador francês Georges Benoît-Levy; ecos de seu sistema podem ser detectados nos desurbanistas russos dos anos 20 e no pensamento de Le Corbusier dos anos 30.
O Howard francês foi Tony Garnier (1869-1948), um arquiteto de Lião,que parece ter concebido sua Cité industrielle em 1898,ano de publicação de To-morrow,(...); anarquista que era,deu ênfase também à propriedade comum,rejeitando símbolos da repressão burguesa,tais como delegacias de polícia,tribunais,prisões ou igrejas,e erguendo seu vasto edifício central,onde podiam reunir-se 3000 cidadãos.(...)
Theodor Fritsch publicou seu Die Stadt der Zukunft (A Cidade do Futuro)dois anos antes da obra de Howard,em 1896; sua obsessão era de que Howard lhe roubara as idéias,(...): fanático propagandista do racismo,Fritsch projeta uma cidade onde cada indivíduo sabe,de imediato,qual o seu lugar dentro de uma ordem social rígida e segregacionista.(...)
Uma dessas primeiras interpretações das idéias de Howard,Le Cité-Jardin,de autoria de Georges Benoît-Lévy,conseguiu estabelecer uma confusão elementar entre cidade-jardim e subúrbio-jardim,confusão da qual os urbanistas franceses jamais puderam,daí em diante,desvencilhar-se.(...)Henri Sellier,como diretor do Office Public des Habitations à Bon Marché du Département de la Seine,projetou dezesseis cités-jardins ao redor de Paris,entre 1916 e 1939,(...)
(...),Margarethenhöhe é uma New Earswick transplantada.Seu arquiteto,Georg Metzendorf,seguiu fielmente a tradição Unwin-Parker,(...)
O Gartenstadtbewegung (movimento cidade-jardim),contudo,queria uma Letchworth alemã.A cidade-jardim implantada em Hellerau,a 8 quilômetros(5 milhas)de Dresden,era - como Margarethenhöhe - essencialmente um subúrbio-jardim situado no ponto final de uma linha de bondes.Hellerau abrigava as Deutsche Werkstätte fürHandbaukunst (Oficinas Alemãs de Artesanato)(...)Enfileiradas e semi-isoladas,as casas de Heinrich Tressenow,inteiramente fiéis à tradição Unwin-Parker,(...)É uma pequena jóia anômala.
(...)Já na metade da Primeira Grande Guerra,o termo Lebensraum fora ominosamente posto em uso,ocasionando a remoção de populações consideradas perigosas para o "caráter nacional".Na década de 20,esses temas iriam tornar-se um elemento poderoso do pensamento nazista.
(...)Em Frankfurt,um Conselho de Operários e Soldados dominou a política durante um ano,após o armistício de 1918.Quando finalmente os socialdemocratas chegaram ao poder no município,sua estratégia,durante a administração do prefeito Ludwig Landmann (1924-1933),consistiu em restaurar a paz social mediante um implícito pacto social entre capital e trabalho:tema que se iria repetir na criação da Wohlfahrtsgesell-schaft (Sociedade do Bem-Estar)após a Segunda Guerra Mundial.(...)Mas,a fim de satisfazer às exigências do setor trabalhista,o município iria igualmente embarcar num intenso programa habitacional.
Landmann conquistou a adesão do arquiteto-urbanista Ernst May (1886-1970)que ganhara considerável reputação com seus projetos para a cidade de Breslau (Vroclávia).Graças aos avançados programas do famoso prefeito Franz Adickes,que administrara Frankfurt antes da guerra,o município comprou enormes extensões de terra a preços fundiários ínfimos nos campos circunvizinhos.Assim,ao chegar,em 1925,May teve tudo de que necessitava para desenvolver um projeto urbanístico fantasticamente inovador.
Como Sellier
em Paris,May foi profundamente influenciado pelo movimento cidade-jardim; trabalhara
com Unwin,em 1910,tanto em Letchworth quanto em Hampstead; (...)Quando o projeto
provou ser politicamente inviável,May recuou para uma concessão: a urbanização
sob forma de cidades-satélites(Trabantenstädte), separadas do município apenas
por um estreito cinturão verde,ou "parque do povo",(...)May rompeu
por completo com seu mestre Unwin e,não há dúvida,com a tradição inglesa dos
anos 20: seus satélites deviam ser projetados rigidamente como arquitetura moderna,em
forma de longas fileiras de casas com cobertura plana e ajardinada,onde as pessoas
pudessem tomar seu café da manhã,seu banho de sol e plantar.(...),enfileirados
ao longo do vale do Rio Nidda,a noroeste do município,representam os satélites
clássicos,1441 moradias em Praunheim,1200 em Römerstadt.O que os tornou dignos
de nota foi a disposição das casas em compridas fileiras ao longo do rio,a localização
das escolas e Kindergarten na baixada,e o aproveitamento do vale como um cinturão
verde natural onde se acham concentrados todos os tipos de serviços: lotes para
hortas,campos esportivos,canteiros de flores para comércio,escolas de jardinagem
para jovens,(...)May divergia sobremuitas coisas de outro grande planejador
urbano da época de Weimar,o berlinense Martin Wagner (1885-1957),mas
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ambos partilhavam a crença numa nova parceria entre
capital e trabalho,e numa reintegração do trabalho com a vida.A linha May-Wagner
era uma variante de espírito coletivista,divergindo drasticamente das fontes
anarco-cooperativistas da tradição Howard-Unwin: nas palavras do próprio May,seu
objetivo era "a coletivização dos elementos da vida"(...)não é de
admirar que Unwin se tenha tornado francamente impopular ao investir sem tréguas
contra a arquitetura moderna.(...)
Wagner,de forma alguma,acreditava em satélites; seu ideal era a Siedlung (colônia).(...)O exemplo ideal é Siemenstadt,desenvolvida pela gigantesca companhia de material elétrico em torno de seu complexo industrial no setor noroeste do município,entre 1929 e 1931.É uma Gro(siedlung(grande colônia),cada nome da arquitetura alemã dos anos 20 tem seu quinhão; é um sítio de reverente peregrinação,(...)os mestres - Scharoun, Bartning, Häring, Gropius e outros - colocaram blocos de apartamentos de quatro e seis andares dentro de um vasto jardim,(...)
Onkel-Toms-Hütte (Cabana do Tio Tomás),construída entre 1926 e 1931,intitula-se a si mesma colônia florestal (Waldsiedlung),(...)de autoria de Bruno Taut e Hugo Häring dentro do idioma moderno dos anos 20,(...)Britz (1925-1931),projetada por Bruno Taut e Martin Wagner,é mais formal: suas fileiras de casas de dois e três andares agrupam-se em torno da célebre Hufeisensiedlung,onde o bloco de quatro andares dobra-se em forma de imensa ferradura à volta de um lago.(...)As duas urbanizações são esplêndidas; ambas,ironicamente, representam a antítese total da idéia de cidade-jardim.
(...),os arquitetos foram Clarence Stein (1882-1975) e Henry Wright (1878-1936).Sua contribuição ímpar para a cidade-jardim reside no manejo do tráfego e da circulação de pedestres através do chamado esquema Radburn,por eles desenvolvido para a cidade-jardim do mesmo nome,em 1928.(...)outra figura,que,nunca é associada ao grupo da RPAA: Clarence Perry (1872-1944),(...)o planejador-sociólogo.(...)profundamente influenciado pelos escritos do sociólogo norte-americano Charles Horton Cooley,que acentuara a importância do "grupo primário", "caracterizado pela associação e cooperação íntimas,cara-a-cara"(...)morador que foi do subúrbio-jardim-modelo de Forest Hills Gardens - subúrbio ferroviário,a quase 9 milhas de Manhattan,onde o projeto de Grosvenor Atterbury surge claramente como um derivado do Riverside do Chicago e do Bedford Park de Londres -,Perry viu o quanto um bom projeto poderia contribuir para o desenvolvimento de um espírito de vizinhança.Na inspiração,Forest Hills Gardens deriva do pseudoteutônico de Unwin e Parker em Hampstead,e do genuíno de Margarethenhöhe e Hellerau; mas passa à frente de todos eles,criando uma qualidade de tipo kitsch que antecipa Hollywood.
(...),duas outras Radburns; Chatham Village (1932)em Pittsburgh e Baldwin Hills Village (1941),em Los Angeles.Ambas foram sucessos financeiros.(...)
As cidades Radburn,obra de Stein-Wright,são inquestionavelmente as mais importantes contribuições norte-americanas para a tradição cidade-jardim.(...)
Em 1933,desempregados armaram uma incomodativa aldeia de barracas em pleno coração da cidade de Washington.A primeira idéia que ocorreu a FDR foi a de promover um movimento de retorno à terra; Tugwell [Rexford Guy Tugwell,criador,em meados dos anos 30,das comunidades experimentais de cinturão verde: asperamente atacadas no Congresso por sua inspiração socialista,elas constituíram,no entanto,um modelo para as "novas cidades"subvencionadas pelo governo no pós-guerra britânico](1891-1979),economista da Universidade de Colúmbia que se tornara um dos mais inovadores membros do grupo pensante do presidente,convenceu-o de que esse caminho não levaria a nada.Propunha,em lugar disso, "sair dos centros populacionais,pegar terra barata,construir toda uma comunidade e atrair moradores para o lugar.Em seguida,voltar às cidades,deitar abaixo todos os cortiços e transformá-los em parques".Ameaçou renunciar como meio de forçar Roosevelt,em abril de 1935,a criar o Ministério do Reassentamento,que colocava claramente no mesmo plano a terra e o problema da pobreza;(...)o programa final constou de apenas três cidades: Greenbelt, Maryland,periferia de Washington; Greenhills, Ohio,periferia de Cincinnati; e Greendale, Wisconsin,periferia de Milwaukee.(...)E a maior das três - Greenbelt,projetada com a consultoria de Stein e do arquiteto Tracy Augur,seu colega na RPAA - (...)A arquitetura é de um modernismo mais intransigente que o de Radburn,e o efeito de conjunto lembra curiosamente os melhores esquemas germânicos dos anos 20: Frankfurt ou Berlim transplantadas para os campos de Maryland.
Não demorou para que acabassem com o programa.
NOVAS CIDADES PARA A INGLATERRA: O ESTADO ASSUME O CONTROLE
Na Inglaterra,Lewis Silkin,o ministro trabalhista recém-empossado,designou,em outubro de 1945,uma comissão para dizer-lhes como essas novas cidades deveriam ser construídas.Na chefia colocou John Reith,(...)Osborn; L. J. Cadbury,de Birmingham,e Monica Felton,do LCC,ambos conhecidos defensores das novas cidades.
(...)1 de
agosto de 1946,a Lei das Novas Cidades recebeu a sanção Real.Dessa data até
1950,o governo
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trabalhista designou treze novas cidades na Grã-Bretanha:oito
para a área londrina,duas para a Escócia, duas no nordeste da Inglaterra,uma
em Gales,e uma no interior do território inglês.(...)
Cada cidade-jardim está circundada por seu próprio cinturão verde,de tal maneira que cada uma surge como uma comunidade urbana isolada com terra cultivável como fundo.
5. A Cidade na Região. Nasce o Planejamento Regional: Edimburgo, Nova York, Londres (1900-1940)
O planejamento regional nasceu com Patrick Geddes (1854-1932),(...)De seus contatos com os geógrafos franceses na virada do século,Geddes absorvera o credo do comunismo anarquista,baseado em livres confederações de regiões autônomas.Graças ao encontro que teve na década de 20 com Lewis Mumford (1895),um jornalista-sociólogo capaz de dar forma coerente a seus pensamentos,essa filosofia passou para um pequeno mas brilhante e devotado grupo de planejadores sediados na cidade de Nova York,de onde acabou fundida às idéias intimamente correlatas de Howard e espalhou-se por toda a América e pelo mundo afora,(...)Mas,a qualidade verdadeiramente radical da mensagem foi abafada e,mais da metade,perdida; hoje,em parte alguma se vê,no chão,a genuína e notável visão da Regional Planning Association of America,destilada,via Geddes, de Proudhon, Bakunin, Reclus e Kropotkin.
GEDDES E A TRADIÇÃO ANARQUISTA
(...)Seus conceitos básicos foram extraídos dos pais fundadores da geografia francesa,Elisée Reclus (1830-1905) e Paul Vidal de la Blanche (1845-1918),e de um dos primeiros sociólogos franceses,Frédéric Le Play (1806-1882),(...)Deles extraiu seu conceito de região natural,de que é um exemplo a sua famosa seção de vale.(...)
O planejamento deve começar,segundo Geddes,com o levantamento dos recursos de uma determinada região natural,das respostas que o homem dá a ela e das complexidades resultantes da paisagem cultural: todo o seu ensinamento sempre teve como tônica persistente o método de levantamento,o que ele também extraiu de Vidal e seus seguidores,cujas "monografias regionais"constituíram tentativas de fazer exatamente isso.(...)em Edimburgo,criou ele um modelo que pretendia ver repetido por toda parte: um centro local de levantamento,a que todo o tipo de gente poderia vir a fim de compreender a relação estabelecida por Le Play na trilogia Lugar-Trabalho-Povo.(...)Somente tal "Seção de Vale,como comumente a chamamos,faz-nos ver com nitidez a zona climática com sua vegetação e vida animal correspondentes[...]o esboço seccional essencial de uma ‘região’de geógrafo,pronto para ser estudado"(...)
"O levantamento precede o Plano"é de Geddes.(...)
A qualidade propositadamente arcaica do levantamento regional,ou seja,a enfatização das ocupações tradicionais e dos elos históricos,não foi,portanto,mero subterfúgio: à semelhança das tentativas de Geddes para resgatar a vida urbana do passado através de máscaras e encenações,representou uma celebração plenamente consciente daquilo que,para ele,constituía a mais alta realização da cultura européia.
(...)Para Geddes,como para Vidal,a região era mais que um objeto de levantamento; a ela cabia fornecer a base para a reconstrução total da vida social e política.(...)Elisée Reclus (1830-1905) e Piotr Kropotkin (1842-1921) eram ambos geógrafos: mas ambos eram também anarquistas.(...)
Ambos baseavam suas idéias em Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865),o anarquista francês célebre por sua declaração "Propriedade é Roubo".Ironicamente,os escritos de Proudhon haviam-se dedicado a provar exatamente o oposto: seu argumento era de que a posse individual da propriedade era a garantia essencial para a existência de uma sociedade livre,desde que ninguém possuísse em excesso.Só uma tal sociedade,acreditava ele,poderia fornecer a base para um sistema descentralizado e não-hierárquico de governo federal: idéia partilhada pelo anarquista russo Mikhail Bakunin (1814-1876),cuja derrota e expulsão por Karl Marx na Primeira Conferência Internacional ocorrida em Haia,em 1872,foi um dos acontecimentos decisivos na história do socialismo.
(...)Mas Kropotkin foi ainda mais importante,(...)Seu credo era: "Comunismo Anarquista,Comunismo sem governo - o Comunismo dos Livres"; é mister que a sociedade se reconstrua a si própria com base na cooperação entre indivíduos livres,tal como a que se pode encontrar,na natureza,até mesmo em sociedades animais; essa,no seu entender,a tendência lógica para a qual se estavam encaminhando as sociedades humanas.
Mais que isso.Kropotkin desenvolveu uma notável tese histórica: a de que no século XII havia ocorrido uma revolução "comunalista" na Europa,o que salvara sua cultura das monarquias teocráticas e despóticas que a queriam suprimir;(...)Na cidade da Baixa Idade Média,cada divisão ou paróquia era a província de uma guilda individual autogovernada; a cidade propriamente dita era a união desses distritos,ruas,paróquias e guildas,e era,ela própria,um Estado livre.(...)
No século
XVI,essas realizações foram varridas de cena pelo Estado centralizado que representou
o triunfo do
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que Kropotkin chamou de tradição autoritário-imperial-romana.Mas
agora,acreditava ele,esta,por seu turno,fora novamente desafiada pelo seu oposto,o
movimento libertário-federalista-popular.(...)
(...) "É preciso que as indústrias se dispersem pelo mundo;(...)seguida de uma ulterior dispersão de fábricas pelos territórios de todas as nações.(...)fazendo com que a agricultura tire todas as vantagens que sempre obtém quando se alia à indústria[...]e produzindo uma combinação do trabalho agrícola com o industrial (...)se impõe pela necessidade que tem cada homem e cada mulher saudável de passar uma parte de suas existências executando trabalho manual ao ar livre"
(...)logo após ler a primeira edição de Fields,Factories and Workshops,havia ele batizado a nova era da descentralização industrial de era "neotécnica"(...)a "ordem neotécnica" significava "a criação,de cidade em cidade,de região em região,de uma Eutopia"(...)
Em 1915,Geddes publicou seu livro Cities in Evolution(...)
"Então há que dar-se um nome a essas regiões-município,a esses agregados-cidade.(...)que tal "conurbações" ?
(...) "fazer o campo chegar perto da rua,e não simplesmente a rua chegar perto do campo"
(...)Mumford e seus colegas da Regional Planning Association of America foram importantes com suas luzes críticas. "Geddes",escreveu Mumford, "foi quem forneceu o arcabouço para meu pensamento: minha tarefa tem sido revestir de carne esse abstrato esqueleto".No prefácio de sua obra mais extensa e influente,The Culture of Cities (1938),não economizou ele referências ao reconhecimento dessa dívida.
A REGIONAL PLANNING ASSOCIATION OF AMERICA
Em sua autobiografia,Mumford lembra como ocorreu o nascimento da RPAA.(...)No outono de 1922,encontrou-se com Clarence Stein,um arquiteto.A RPAA surgiu de uma associação casual de Mumford,Stein,Benton MacKaye(cuja proposta para uma Trilha Apalachiana fora publicada por Stein no Journal of the American Institute of Architects,em 1921)e Charles Harris Whitaker.(...)o economista Stuart Chase,os arquitetos Frederick Lee Ackerman e Henry Wright,e o empresário Alexander Bing; (...)The Survey,revista de prestigiosa circulação entre os intelectuais liberais e elo importante entre eles e o movimento social operário,(...)
Já o economista do grupo,Stuart Chase,foi além: (...)
"O planejamento regional de comunidades eliminaria a comercialização nacional antieconômica,eliminaria a superpopulação urbana e os desperdícios terminais,(...)E acabava-se a necessidade do arranha-céu,do metrô e do refúgio na solidão dos campos!"
De novo uma profecia: defendia-se a conservação de energia meio século antes do Clube de Roma.(...)
Mumford volta agora especificamente a seu tema predileto,o advento da era neotécnica: (...)"Ao planejar uma área,o regionalista esforça-se para que todos os seus sítios e recursos,da floresta à cidade,da montanha ao nível d’água,possam ser corretamente desenvolvidos,e que a população seja distribuída de modo que utilize e não aniquile ou destrua as vantagens naturais do lugar.O planejamento regional vê o povo,a indústria e a terra como uma única unidade.(...)"
Aqui é onde entra Howard.Pois se o planejamento regional fornece o arcabouço,a cidade-jardim provê o "objetivo cívico"(...)
"O planejamento regional é a nova conservação - a conservação dos valores humanos de mãos dadas com os recursos naturais[...]"
Esse tema norte-americano é retomado por Benton Mackaye em seu artigo "The New Exploration".(...)
A América,esta terra de colonização relativamente recente,precisa passar pelo aprendizado das mesmas escalas temporais,da mesma inconsciente capacidade de recuperação natural através do bom manejo da terra, que, durante séculos,os camponeses europeus vivenciaram de geração em geração.Essa ênfase reporta-se a várias e distintas linhas do pensamento norte-americano oitocentista: ao conceito de "estrutura,processo e etapa"dos primeiros geógrafos físicos de Harvard,Nathaniel S. Shaler e William M. Davis; às opiniões de um geógrafo ainda mais antigo,George Perkins Marsh ,sobre ecologia e planejamento de recursos; à importância que o retorno à natureza e ao equilíbrio natural assume na obra de David Thoreau.(...)Nesse texto,desenvolveu ele a noção de duas Américas em contraste: a nativa, "mistura da primeva com a colonial",e a metropopolitana, "mistura da urbana com a industrial,esta de amplitude mundial".
(...)A resposta de Mackaye foi um estratagema típico da RPAA: aproveitar a nova tecnologia,mas ao mesmo tempo controlar seu impacto sobre o ambiente natural.(...)E,desenvolvendo a idéia dois anos mais tarde,chegava ele ao conceito da auto-estrada sem cidade: uma via de acesso limitado ao redor de Boston,com postos de gasolina instalados a intervalos,mas sem qualquer outro acesso.Não é de admirar que,perto de quarenta anos depois,Lewis Mumford tenha creditado a Mackaye a invenção da moderna rodovia; o que não é de todo verdadeiro,como mostraremos no Capítulo 9,(...)
Pouca coisa disso tudo,na América de 1920,concretizou-se em programa;(...)através da ação empreendedora de Alexander Bing que a RPAA conseguiu pôr em órbita duas comunidades experimentais: a de Sunnyside Gardens
na cidade
de Nova York,e a de Radburn em Nova Jersey(Capítulo 4).
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RPAA VERSUS PLANO REGIONAL DE NOVA YORK
No maior de seus conflitos com relação a programas,a RPAA encontrou pela frente um inimigo imprevisto. Thomas Adams (1871-1940)fora um dos pais fundadores do planejamento urbano britânico: primeiro diretor geral de Letchworth Garden City,primeiro inspetor de planejamento,membro fundador e primeiro presidente do Town Planning Institute.(...)era um planejador para homens de negócios.A seu ver,o plano devia representar a arte do possível: (...)
(...)errada era a filosofia partilhada por Adams e seu grupo.Era a crença de que,na prática,a forma da região estivesse fixada em definitivo,admitindo apenas modificações incrementais e marginais.(...)na assunção passiva de que a região continuaria a crescer,de 14,5 milhões de pessoas para talvez 21 milhões por volta de 1965,aliada à falta de qualquer proposta definitiva,como,por exemplo,dizer para onde toda essa gente de sobra deveria ir,o objetivo básico era "descentralizar e evacuar Nova York o suficiente para que continue funcionando nos moldes tradicionais"
Em famosa resenha,Mumford condenou o plano em todos os pormenores finais.(...)
O plano de Nova York foi para frente graças a uma Associação do Plano Regional liderada por uma elite de homens de negócios e à ação de Comissões de Planejamento criadas para cada área em particular: foi sobremaneira bem-sucedido em suas propostas de auto-estrada,ponte e túnel,sobretudo porque o arquiteto encarregado foi Robert Moses.Enquanto isso,a receita alternativa de Mumford - criação de novas cidades com auxílio estatal e ampla reconstrução de áreas - ficava no papel.
(...)A TVA Tennessee Valley Authority,inegavelmente o mais importante empreendimento do planejamento New Deal,(...)
(...)a TVA tornou-se mais e mais uma secretaria geradora de energia elétrica,devotada à criação de uma base urbano-industrial:(...)Por volta de 1944,já era a segunda maior produtora de energia elétrica dos Estados Unidos,(...)A ironia está no motivo: o enorme aumento na demanda de energia proveniente da instalação do complexo de produção de plutônio do Conselho de Energia Atômica em Oak Ridge,base para produção da bomba atômica.(...)Norris,a nova cidade construída próxima à grande barragem do Tennessee,embora planejada por um membro da RPAA (Tracy Augur) e elogiada por Benton Mackaye,foi acuradamente descrita pelo Diretor de Planejamento da TVA como uma "agrovila".
A VISÃO FAZ-SE REALIDADE: LONDRES
Assim,o verdadeiro impacto de Mumford, Stein, Chase e Mackaye não se faria sentir em seu próprio país,nada simpático às idéias deles,mas nas capitais da Europa.(...)umpequeno grupo de planejadores já estava aplicando idéias norte-americanas a uma grande variedade de contextos britânicos.
Um dos mais bem-sucedidos,ironicamente,foi a bête noire da RPAA.Durante os anos em que dirigiu o Plano Regional de Nova York,Thomas Adams continuara como sócio na atividade de planejamento exercida pela Adams,Thompson e Fry,que,entre 1924 e 1932,produziu oito dos doze exercícios desenvolvidos no campo emergente dos planos consultivos regionais para a periferia de Londres.(...)
Os quatro planos restantes nascem da sociedade entre Davidge,Abercrombie e Archibald.Leslie Patrick Abercrombie(1879-1957),(...)começando como arquiteto,converteu-se ao planejamento graças a uma bolsa de pesquisa instituída na Universidade de Liverpool pelo magnata do sabão William Hesketh Lever,que fundara Port Sunlight com o dinheiro ganho numa ação por difamação movida por ele contra um jornal.(...)Mesmo antes da Primeira Grande Guerra ganhou um prêmio por seu plano urbanístico para Dublin que colocava o município dentro de seu contexto regional,patenteando,destarte,a dívida do autor para com Geddes.Em seguida,um exercício pioneiro em planejamento regional para a área de Doncaster,em 1920-1922 e,em 1925,para um plano para o leste de Kent: (...)Propôs oito pequenas novas cidades,situando cada uma delas numa dobra da ondulante paisagem calcária,dentro de um cinturão verde contínuo.(...)
Em 1927,Neville Chamberlain usou de sua posição como ministro da Saúde para incentivar o planejamento regional mediante a criação de um Comitê de Planejamento Regional para a Grande Londres,(...)Raymond Unwin foi escolhido para conselheiro técnico,(...)
Nesse ínterim,em importante palestra pronunciada em 1930,Unwin expunha seu conceito de planejamento regional: (...) "O principal objetivo do plano é assegurar a melhor distribuição das moradias,do trabalho e dos locais de recreio para a população.O método consistirá em executar essa distribuição segundo modelo adequado sobre um fundo preservado como área livre." (...)nada aconteceu; e em 1933,quando veio à tona,o relatório final do comitê foi definitivamente parar na geladeira,(...)E lá se foi ele para a América,preferindo passar os últimos anos de sua vida dizendo aos universitários de Colúmbia como planejar.
(...)Neville
Chamberlain,ao tornar-se primeiro-ministro,criara,num de seus primeiros passos,a
Comissão Barlow
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Apontado para integrá-la,Patrick Abercrombie foi cuidadosamente
encaminhado por Frederic Osborn (...)Abercrombie colaborara com Forshaw,o arquiteto-chefe
do Conselho do Condado de Londres,no Plano do Condado de Londres.(...)
Assim, "guiada por conselheiros trabalhistas classe média,totalmente alheios aos anseios populares mas [...] temerosos de uma queda no valor da tributação ou perda do seu eleitorado de cortiço",Londres viveria o que Osborn chamou de descentralização "simbólica",ou seja,restrita a pouco mais de um milhão de pessoas.
Osborn,evidentemente,não estava sendo nada justo; (...)o Plano do Condado ostenta qualidades excepcionais que por si só bastariam para recomendá-lo junto ao mais purista dos membros da RPAA.Primeiramente,temos sua insistência nos métodos de levantamento geddesiano,(...)Em seguida,temos sua brilhante combinação do princípio da unidade de vizinhança,de Perry,com a hierarquia viária de Stein e Wright(...)
O Plano do Condado usou o novo sistema viário especificamente para criar uma Londres celular: a nova ordem tinha de ser implicitamente orgânica.(...)O importante é que,ao passar do Plano do Condado para o Plano da Grande Londres,Abercrombie retém a mesma estrutura orgânica.(...)
Do total de 1.033.000 pessoas que teriam que achar novas moradias em decorrência da reconstrução e reurbanização de Londres,apenas 125.000 mudariam para além do cinturão verde; 644.000 iriam para o anel periférico rural(383.000 para novas cidades,261.000 para prolongamentos das existentes),quase 164.000 ficariam junto ao contorno externo desse anel,mas a 50 milhas de Londres,e 100.000 mais longe ainda.Haveria oito novas cidades,com uma população máxima de 60.000 pessoas,situadas entre 20 e 35 milhas,aproximadamente,do centro de Londres.(...)
(...)a Lei das Novas Cidades recebia a Aprovação Real no verão de 1946,todas as oito novas cidades de Abercrombie tiveram sua localização fixada em 1949(...) a região de Londres é um dos poucos lugares do mundo onde se pode encontrar,concretizada,a visão do mundo segundo Howard-Geddes-Mumford.
6. A Cidade dos Monumentos. O Movimento City Beautiful: Chicago, Nova Delhi, Berlim, Moscou (1900-1945 )
BURNHAM E O MOVIMENTO CITY BEAUTIFUL NA AMÉRICA
Daniel Hudson Burnham (1846-1912), sócio na atividade arquitetônica da Burnham and Root de Chicago, autor do projeto de vários dos primeiros clássicos arranha-céus daquela cidade durante as décadas de 1880 e 1890, e chefe de obras da Exposição Mundial Colombiana, uma das feiras mundiais definitivas de todos os tempos, aí realizada em 1893. (...) constituiu um dos dois grandes estímulos que levaram o jovem arquiteto a transformar-se no planejador que viria a ser na maturidade. O outro lhe veio da experiência de projetar a mágica White City, às margens do Lago Michigan (...)
Henry Morgenthau, figura de banqueiro e grande proprietário, deixou bastante claro numa conferência de 1909: o objetivo primordial do planejador era eliminar os focos geradores de "doenças, depravação moral, descontentamento e socialismo". E em parte alguma isso foi tão verdadeiro quanto em Chicago, cenário, na década de 1880, das terríveis desordens que terminaram com a execução dos cabeças da revolta numa atmosfera de tensão quase insurrecional.
O Plano de Chicago de 1909 foi de fato a mais importante obra de Burnham. (...) O primeiro triunfo, foi a reconstrução do Passeio Público, o Mall, em Washington DC, que teve início em 1901. Em seu plano de 1791, L’Enfant pretendera, seguindo as idéias originais de George Washington, fazer ali um grande parque, de 400 pés de largura e mais de uma milha de comprimento, do Capitólio ao Potomac (...) Logo após,Burnham assumia a direção de uma comissão tripartite, tendo como companheiros Frederick Law Olmsted Junior e o arquiteto nova-iorquino Charles McKim; mais tarde, juntou-se a eles um escultor, Augustus St. Gaudens. (...)
O resultado foi a volta ao conceito original de L’Enfant,mas ampliado,com um passeio de largura duplicada para 800 pés,e quase o dobro do comprimento inicial,para abranger as planícies agora enxutas do Potomac,(...)
Cleveland,cidade às margens de um lago,no Estado de Ohio,lugar dominado pelo industrialismo em ascensão descontrolada,atormentado pela poluição,pela agitação operária e pela violência.Burnham foi escolhido para chefiar uma comissão de 1902; o relatório recomendava a construção de um novo centro cívico,(...)
Para San Francisco,em 1905,Burnham propôs algo muito mais grandioso,um novo complexo de centro cívico (...)o projeto acabou sucumbindo às pressões comerciais;(...)
"A tarefa realizada por Haussmann em Paris corresponde ao trabalho que precisa ser feito em Chicago"(...)a City Beautiful de Napoleão demonstrara ter sido um bom investimento.(...)
Chegou mesmo a argumentar que o "investimento"de Péricles na antiga Atenas ainda dava retorno sob forma de taxas turísticas.(...)
"A
lagoa terá suas duas margens ornamentadas com árvores e arbustos adaptados ao
nosso clima,em especial os que dão flores - a macieira,a pereira,o pessegueiro,o
castanheiro,a castanheira brava,a catalpa,a macieira silvestre,o lilás,a acácia,o
corniso.Os dias de maio e junho serão,assim,um verdadeiro festival aquático.(...)
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Vemos céleres correrem as canoas impulsionadas por
brônzeos atletas.(...)Cai a noite,com miríades de luzes coloridas a cintilarem
pelo ar perfumado de nenúfares,e a Natureza nos acolhe em seus braços,crianças
felizes"
Quadro extraordinário esse,quadro poético,um dos pouquíssimos na história do urbanismo.E as obsessivas aguadas pastel de Jules Guerin,que mostram a grande cidade vista de cima,com os bulevares irradiantes a se distanciarem rumo ao interior das vastas pradarias de Illinois,(...)
Lewis Mumford verberava o esquema Burnham como "cosmético municipal"; mais tarde,iria comparar os resultados com os exercícios urbanísticos de regimes totalitários.(...)
Como disse Mel Scott, "a Chicago do Plano Burnham é a cidade do passado que a América jamais conheceu", uma cidade aristocrática para príncipes mercadores.
O CITY BEAUTIFUL SOB O RAJ BRITÂNICO
Em seu Durbar
de Coroação em 1911, Jorge V anunciava solenemente que a capital da Índia Britânica
seria transferida de Calcutá para Delhi: local adequado por sua posição central,
de fácil acesso e clima salubre, (...)
Os arquitetos-planejadores escolhidos (...) Herbert Baker (1862-1946) cedo se
proclamara o arquiteto do imperialismo, evoluindo da estação ferroviária de
Pretória para os edifícios governamentais da União Sul-Africana: suas idéias
sobre arquitetura eram "nacionalistas e imperialistas, simbólicas e rituais".
O vice-rei da Índia, Hardinge, queria-o para Nova Delhi mas - pressionado por
Londres - escolheu Edwin Lutyens (1862-1944), então mais conhecido como arquiteto
para casas de campo; Lutyens, pediu que Baker fosse indicado como seu colaborador.
(...) O comitê de arquitetura e planejamento havia recomendado esse sítio ao
sul da cidade indiana, conhecido como Raisina, (...) Mais tarde, Baker concluía
que suas naturezas eram demasiado diferentes: Lutyens era o geômetra abstrato,
isento de humanas preocupações; Baker estava mais interessado no "sentimento
nacional e humano" (...) Dentro dos reticulados hexagonais, as casas foram
distribuídas segundo uma fórmula desconcertantemente complicada de raça, nível
profissional e status socioeconômico (...)
CAMBERRA: O EXCEPCIONAL EM CITY BEAUTIFUL
O novo governo da Commonwealth da Austrália,instaurado no Dia do Ano Novo de 1901,começou a cumprir sua promessa de achar uma nova capital dentro de Nova Gales do Sul,num raio de cem milhas fora de Sidney.Em 1908,escolheu Camberra,ficando o local reservado como Território da Capital Australiana: em 1911,(...)
Walter Burley Griffin (1876-1937),um norte-americano que trabalhara no escritório de Frank Lloyd Wright,participou com sua mulher,Mary Mahoney,e venceu.(...)
Com a mudança de governo,em 1913,Griffin foi nomeado Diretor de Projeto e Construção da Capital Federal. Durante sete anos quase enlouqueceu,vendo suas tentativas serem sistematicamente sabotadas: (...)
Em 1920 ele desistiu e seu cargo foi extinto.(...)Quase inacreditavelmente,depois de 44 anos,o projeto de Griffin começava a tomar forma; em meados de 1980,estaria próximo da conclusão.(...)Em Camberra,tudo é excessivamente grandioso,nobre,elegante,mas(e aí vem o termo predileto de Parker-Unwin)repousante; (...)
Mas o mais notável é que foi ao projetar os subúrbios residenciais que Griffin realizou suas mais inovadoras ousadias.(...)Uma década antes de Perry,preconizou a unidade de vizinhança,(...)O diagrama original mostra as unidades como hexágonos,modelo empregado mais tarde por Parker em seus esquemas Radburn de Wythenshawe.(...)Camberra realiza,assim,a difícil façanha de ser não só uma das últimas cidades monumentais, como também a de ser a maior cidade-jardim do mundo.
O CITY BEAUTIFUL E OS GRANDES DITADORES
Pouco depois de os nazistas terem tomado o poder,seus projetos - inspirados nas idéias de Weimar - priorizavam as Kleinsiedlungen (pequenas colônias)junto às grandes cidades,a exemplo de Marienfelde,Falkensee e Falkenberg,situadas nos arrabaldes de Berlim; (...)
O posicionamento nazista definitivo com relação a política urbana,exposto por Gottfried Feder em Die neue Stadt (A Nova Cidade),de 1939,guarda estranhos ecos do Gartenstadtbewegung (Movimento Cidade-Jardim)ao enfatizar a urbanização de vilarejos rurais auto-suficientes,com populações de aproximadamente 20.000 habitantes,(...)ou seja: um retorno ao campo,e sem meias medidas
Isso tudo parece estar a centenas de milhas,dos planos que Hitler e seu Generalbauinspektor(inspetor geral de obras públicas),Albert Speer (1905-1981),estavam incubando para a reconstrução de Berlim.(...)
Hitler não conseguira ingressar na Academia de Viena para estudar arte,e tinha a mania de repetir sem cessar para Speer: "Como eu gostaria de ter sido arquiteto!"(...)conhecia as medidas exatas dos Champs Elysées,e estava obcecadamente determinado a dar a Berlim um eixo leste-oeste de tamanho duas vezes e meia maior;(...)
Mostrou
a Speer dois esboços seus dos anos 20,onde já estavam presentes seus sonhos
de um edifício com cúpula de 650 pés e de um arco de 330:(...) "Por que
sempre o maior?"perguntava,retoricamente,a uma assistência composta de
trabalhadores da construção,em 1939: "Faço isso para restituir a cada alemão,como
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indivíduo,o seu auto-respeito"(...)Em seus princípios
básicos o projeto de Speer patenteava qualidades bastante convencionais: usos
incompatíveis do solo foram segregados,excluiu-se o tráfego direto das áreas
residenciais, havia ar,luz e espaço à vontade; na verdade,pouco ou nada dele
mereceria objeções por parte de qualquer dos membros do CIAM.
A obsessão saiu caro.(...)Com o rearmamento,veio a protelação.(...)
A Berlim nazista teria sido a supina manifestação do City Beautiful.(...)O estranho é que uma capital imensamente mais pobre,sob um ditador igualmente megalomaníaco,Iossef Stalin,tivesse conseguido realizar em pouco tempo o que Hitler não fizera mais do que sonhar.
A primeira década do planejamento soviético,por si só,merece um livro.Os urbanistas queriam pôr todos morando em arranha-céus,Le Corbusier foi seu deus e aliado; por isso serão discutidos junto com o mestre no Capítulo 7.Os desurbanistas,uma turma muito mais doida,preferiam a dispersão total,propondo a instalação de moradias móveis pelo campo afora e,eventualmente,a demolição de Moscou; suas afinidades espirituais tendiam para Frank Lloyd Wright,e nós os encontraremos no Capítulo 8.Os dois grupos consultaram peritos estrangeiros: May,como era de se prever,sugeriu cidades-satélites; Le Corbusier,uma nova Moscou reconstruída de alto a baixo em outro local.(...)
E Stalin sabia do que gostava. "Daí em diante,a arquitetura teria que ser expressiva, representacional, retórica.Cada edifício,por mais modesta que fosse sua função,devia,doravante,ser um monumento".Ele em pessoa aprovou os projetos para os edifícios mais importantes; quando lhe ofereciam duas versões,escolhia ambas e,atemorizados,os arquitetos obedeciam,produzindo uma estrutura cujo lado esquerdo não combinava com o direito.(...)
(...)o fenômeno City Beautiful,que se manifestou por todo um período de quarenta anos,dentro de uma grande variedade de diferentes circunstâncias econômicas,sociais,políticas e culturais:como serviçal do capitalismo financeiro,como agente do imperialismo,como instrumento do totalitarismo pessoal,tanto de direita quanto de esquerda,até onde possam esses rótulos ter algum significado(...)era a total concentração no monumental e no superficial,na arquitetura como símbolo de poder; e,por conseguinte,uma quase absoluta falta de interesse pelos objetivos sociais mais amplos do planejamento urbano.É planejamento de ostentação,arquitetura como teatro,projeto para causar impacto.
7. A Cidade das Torres. A Radiosa Cidade Corbusiana: Paris, Chandigar, Brasília, Londres, St. Louis (1920-1970)
O mal que Le Corbusier fez vive depois dele; o bem talvez esteja enterrado com seus livros, lidos raramente, pela simples razão de serem, na maioria, praticamente ilegíveis. (As ilustrações, é mister que se diga, são por vezes interessantes, pelo que revelam a respeito do desenhista). As idéias, forjadas na intelligentsia parisiense dos anos 20, chegaram a ser aplicadas ao planejamento de moradias para a classe trabalhadora em Sheffield e St. Louis, bem como em centenas de outras cidades, nos anos 50 e 60; os resultados foram, os melhores, questionáveis, e os piores, catastróficos. (...)
Le Corbusier (1887-1965) não era francês mas suiço. Ao nascer foi registrado como Charles-Édouard Jeanneret em La Chaux-de-Fonds, perto de Neuchâtel, e só a partir dos 31 anos é que passou a viver regularmente em Paris.
Le Corbusier vinha de uma família de relojoeiros. ( O nome Le Corbusier foi o pseudônimo que adotou de um avô materno, ao começar a escrever, em 1920) (...)
Assim como Howard não pode ser entendido fora do contexto da Londres de fins do século XIX, ou Mumford fora da Nova York dos anos 20, assim também todas as idéias de Le Corbusier precisam ser vistas como uma reação à cidade na qual ele viveu e trabalhou de 1916 até pouco antes de sua morte, em 1965.(...)
Paris, concluiu o jovem Le Corbusier, só poderia ser salvo pela intervenção de grands seigneurs, homens "sem remorsos". Luís XIV, Napoleão, Haussmann. (...) Durante toda a sua vida, Le Corbusier buscou um Roi-Soleil moderno, mas jamais o encontrou.
Seu Plan Voisin de 1925 nada tinha a ver com as unidades de vizinhança,e sim com o sobrenome do fabricante de aviões que o patrocinava.Seus dezoito edifícios uniformes de 700 pés de altura teriam acarretado a demolição da maior parte da Paris histórica ao norte do Sena,(...)
Seus princípios urbanísticos foram desenvolvidos sobretudo em La Ville contemporaine(1922) e La Ville radieuse(1933).(...) "A estatística nos mostra que o comércio opera preponderantemente no centro.Isso significa que é mister que amplas avenidas atravessem os centros de nossas cidades.Portanto,os atuais centros precisam vir abaixo.Toda grande cidade,para salvar-se,tem que reconstruir seu centro"(...)
Agora todos
irão morar em gigantescos prédios coletivos,denominados Unités; (...)E agora
todos - não apenas a elite afortunada - terão acesso aos serviços coletivos.A
cozinha,a limpeza,o pajeamento das crianças deixam de
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ser atribuição da família.Nesse ínterim,Le Corbusier
estivera na União Soviética.E,na década de 20,um importante grupo de arquitetos
soviéticos - os urbanistas - desenvolvera idéias muito próximas das dele.(...)Os
projetos de alguns dos membros desse grupo - Ivanov,Terekhin e Smolin,em Leningrado,
Barshch,Vladimirov, Alexander e Vesnin em Moscou - são quase idênticos,até nos
pormenores,ao Unité tal como foi desenvolvido na Cidade Radiosa,e como foi efetivamente
construído em Marselha,em 1946.Mas,depois de 1931,o regime soviético rejeitou
o parecer de Le Corbusier.
Foi quando,por volta dos anos 40,suas idéias novamente se modificaram.Sua ASCORAL (Assemblée de Constructeurs pour une Rénovation Architecturale),fundada durante a guerra,alegava que Les cités radiocentriques des échanges,os centros de educação e recreio,ainda projetados no velho estilo corbusiano, deveriam ser ligados entre si pelas cités linéaires industrielles,linhas contínuas de industrialização dispostas ao longo de corredores de trânsito.Fora-se seu otimismo com respeito à cidade grande: a seu ver,a população de Paris deveria cair de 3 milhões para um milhão apenas.Tais noções guardavam curiosos ecos dos desurbanistas soviéticos da década de 20,que Le Corbusier tão acremente criticara.(...)Continuava implacavelmente contrário à idéia de cités-jardins,que ele coerentemente confundia,como a maioria de seus colegas planejadores franceses,com os subúrbios-jardim.
Nada disso se construiu nunca.Fato importante a assinalar com respeito a Le Corbusier é o quanto ele sempre foi,na prática,um retumbante fracasso.Viajou por toda a Europa e fora do continente,produzindo suas grandiosas visões urbanas; páginas e páginas de seu livro,La Ville radieuse,estão cheias delas - Argélia, Antuérpia, Estocolmo,Barcelona,Nemours no Norte da África.Todas ficaram no papel.(...)Sua simplória egomania e sua total ingenuidade política dificultaram-lhe a compreensão do próprio fracasso; ao término da guerra,era um homem profundamente desiludido.
O governo da Índia decidira,por razões políticas,construir uma nova capital para o Punjab em Chandigar. Contratou,para tanto,um planejador urbano,Albert Mayer,que elaborou um projeto adequado,dentro da linha Unwin-Parker-Stein-Wright.O projeto foi aprovado,só que ficou decidido que se chamaria uma equipe formada pelos mais prestigiosos arquitetos da época - Le Corbusier,seu filho Jeanneret,Maxwell Fry e Jane Drew - para dar-lhe expressão.É nestes termos que Fry descreve o primeiro e traumático encontro,ao qual Mayer chegou com atraso: "Le Corbusier empunhava o crayon e estava em seu elemento.Voilá la gare,disse,et voici la rue commerciale,e traçou a primeira rua do plano de Chandigar.Voici la tête,prosseguiu,marcando com um borrão o(...)O resultado foi expressivo: feita a divisão de trabalho,coube a Le Corbusier o complexo administrativo central.Mas algo de mais fundamental realmente ocorrera: a troca de um estilo urbanístico por um estilo arquitetural,o que significava "optar por uma preocupação com a forma visual,com o simbolismo,com a imagem e com a estética em detrimento dos problemas básicos da população indiana.
BRASÍLIA: A CIDADE CORBUSIANA
(...)pausa para vomitar...
OS CORBUSIANOS CHEGAM À INGLATERRA
O meio utilizado foi a influência do CIAM (Congrès International d’Architecture Moderne),"os jesuítas da nova fé",instaurado em 1928, "por solicitação do animateur suíço Siegfried Giedion": de novo a conexão suíça, igualmente visível,cinco anos mais tarde,quando Giedion tomou a iniciativa de formar o grupo da MARS,a Modern Architecture Research Society,em Londres.(...)
Em Londres,Abercrombie e Forshaw abriam seu Plano do Condado de Londres com uma foto que mostra uma rua pobre do East End,totalmente devastada,com os patéticos pertences de seus moradores sendo carregados para dentro de um caminhão.No primeiro plano,crianças fitam a câmara como que em muda acusação.Embaixo,uma citação de Winston Churchill.(...)
Toda uma geração estava na expectativa da chamada: a geração que,saída das forças armadas,ingressara nas escolas inglesas de arquitetura,finalmente determinada a criar o admirável mundo novo.Assim escrevia Frederic Osborn a Lewis Mumford em 1952,a respeito do culto a Le Corbusier dentro da Architectural Association: "Os jovens sob sua influência são completamente impermeáveis a considerações de ordem econômica ou humana[...]era exatamente como se eu,em minha juventude,tivesse questionado a divindade de Cristo.A impressão que tive foi a mesma,de uma insensatez animal".Havia,como escreveu um cronista, "a tradição da Novidade[...]uma mistura especial sabendo a excentricidade de avant garde"que "se pode rastrear de contínuo na atividade da AA,o que em parte se deve ao fato de ela ser um organismo internacional,pousado,quando muito,em solo inglês[...]A AA esteve sempre aberta às preocupações incoerentes,inflexíveis, culturalmente marginais de forasteiros que acontecem em Londres"(...) "Logo surgiram duas fontes essenciais de inspiração -
Corb e Mies[...]a
Ville radieuse e a Unité d’habitation sugeriram um modelo a ser aplicado por
bons e rígidos
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princípios socialistas a bons e rígidos materiais
modernistas".
Não tardou muito e estava a AA ultracorbusiando Corbu.Em 1954,aparecia a Estrutura Vital de Ronald Jones,uma nave terrestre de 2360 m de comprimento,560 de altura e 200 de largura: (...)
Boa e pura fantasia juvenil,saída,como tantas outras,daquele porão da Praça Bedford.O problema foi que - conforme explicita Cook,e o próprio catálogo retrospectivo da AA o demonstra - as fantasias haviam-se feito realidade.A própria criação de Jones tornou-se o Hongkong and Shangai Bank(...)
A Architectural Review encabeçara o ataque nos idos de 1953 com um editorial de autoria de J. M. Richards que fustigava sem dó as primeiras novas cidades por sua falta de urbanidade; culpa,segundo ele,das densidades excessivamente baixas e de má influência exercida pela Town and Country Planning Association.Em 1955,a mesma revista publicou "Outrage",a célebre diatribe contra a qualidade do projeto urbano inglês redigida por Ian Nairn e que exerceu influência ímpar sobre toda a intelligentsia britânica; anunciava ela
"[...]uma profecia de final dos tempos: profecia segundo a qual se se permitir a multiplicação,no ritmo atual,do que se convencionou chamar de desenvolvimento,então pelo fim do século a Grã-Bretanha estará reduzida a oásis isolados de monumentos preservados em meio a um deserto de fios elétricos,estradas de concreto,lotes apertados e bangalôs.Não haverá distinção efetiva entre cidade e campo[...]Essa nova Inglaterra,a REVIEW presenteia com um nome,na esperança de que pegue: SUBUTOPIA"
Seguia-se a conclusão: "Quanto mais complicado o nosso sistema industrial,e maior a nossa população,tanto maior e mais verde teria de ser o nosso campo,mais compactas e asseadas deveriam ser nossas cidades"
(...)o Departamento de Arquitetos do Conselho do Condado de Londres sob a direção primeiro de Robert Matthews e,em seguida,de Leslie Martin,forneceu os modelos; (...)Primeiramente produziu "os grandes caixotes corbusianos",que culminaram,no final dos anos 50,em Alton West,Roehampton,a mais completa homenagem à Ville radieuse que jamais houve no mundo,em seguida,"a era dos arranha-céus mais esguios,menos opressivos e,naturalmente,mais pesadamente subsidiados": ao todo 384 deles foram terminados entre 1964 e 1974.(...)
Dois diplomados pela AA encabeçavam a equipe que urbanizou Park Hill,a grande muralha de apartamentos com plataformas de acesso que,semelhante a uma fortaleza,domina,sobranceira,o centro de Sheffield e,justiça seja feita,ainda goza de plena aprovação de seus moradores.(...)
Acentuadas pelos meios de comunicação após o desastroso desmoronamento de Ronan Point,um bloco de edifícios construídos pelo sistema a leste de Londres,numa explosão de gás ocorrida em 1968,essas críticas logo se fizeram ensurdecedoras.(...)Kenneth Campbell,encarregado do projeto habitacional no LCC e no GLC de 1959 a 1974,listou três falhas: elevadores(muito poucos,muito pequenos,muito lentos), crianças (excesso), gerenciamento (insuficiente).(...)Na verdade,a moda arquitetônica que se seguiu à era das altas edificações - prédios baixos em alta densidade - malograra em Glasgow imediatamente após a Segunda Grande Guerra e seria mais tarde criticada com igual severidade.(...)Contribuía em grande parte para esse malogro, o fato de os projetistas,provenientes que eram da classe média,mostrarem-se totalmente insensíveis ao modo de vida de uma família operária.(...)Os ricos,portanto,sempre puderam viver bem em altas densidades porque dispunham de serviços; (...)Le Corbusier,como era natural,não tinha sequer consciência do problema,duplamente feliz em sua condição de indivíduo classe média sem filhos pequenos.
Nova York era especial; mas sob Robert Moses (1888-1981),Nova York sempre foi especial.Em seus quase cinqüenta anos de múltiplas atividades,Moses tornou-se indiscutivelmente "o maior construtor da América". Construiu park-ways,pontes,túneis,vias expressas.E quando se abriu a torneira da remodelação urbana,construiu habitações populares.
Mas finalmente,pequenos grupos de cidadãos começaram a protestar: Moses tentou tratá-los a tapa,mas viu que não podia.Entre eles estava uma dona de casa e jornalista de arquitetura da zona oeste de Greenwich Village, Jane Jacobs,que mobilizou a opinião local ao perceber que Moses planejava derrubar seu quarteirão.(...)
New Haven,(...)O resultado foi a demolição de uma das mais importantes - e cada vez mais negras - áreas de cortiço para a construção de escritórios centrais,(...)
Pittsburgh,(...)Uma Urban Renewal Authority (Secretaria Incorporada Autônoma para Remodelação Urbana)foi instituída em 1946,com poderes até então jamais conseguidos para desapropriar com finalidades urbanísticas.Renaissance I,era,fundamentalmente,uma operação de urbanização privada,(...)os projetos reconstruíram mais de um quarto do chamado Golden Triangle,removendo pelo menos 5400 famílias de baixa renda,sobretudo negras,e substituindo-as principalmente por escritórios.
San Francisco
foi mais um caso clássico.(...)San Francisco Redevelopment Agency (Secretaria
de Reurbanização de San Francisco)de 1948,(...)Justin Herman, "São Justino"para
o grupo de comerciantes do centro, "Diabo Branco"para os moradores
de baixa renda das áreas vizinhas,passou a dirigi-la em 1959.Lutou
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pelo saneamento dessas áreas,o que acarretou a remoção
de seus habitantes.(...)Pois eles organizaram-se e encontraram um líder na pessoa
de George Woolf,sindicalista de oitenta anos que,em 1970,após épica batalha
judiciária,forçou a Secretaria de Remodelação Urbana a concordar em construir
unidades de aluguel baixo.(...)
(...)Ou, no dizer de Scott Greer: "A um custo de mais de três bilhões de dólares, a Urban Renewal Agency,a URA,conseguiu reduzir materialmente a oferta de habitação barata nas cidades norte-americanas".Para Chester Hartman,o programa,perversamente,tornara o rico mais rico e o pobre mais pobre.
O CONTRA-ATAQUE: JACOBS E NEWMAN
O malogro da remodelação urbana norte-americana e as dúvidas que se levantavam ajudam a explicar o impacto colossal provocado em ambos os países pela obra de Jane Jacobs,Death and Life of Great American Cities (Morte e Vida das Grandes Cidades Norte-Americanas),publicada nos Estados Unidos em 1961,(...)O movimento cidade-jardim foi atacado em sua base ao definir "o conjunto do problema habitacional apenas em termos de qualidades físicas suburbanas e qualidades sociais de cidade pequena".Já os corbusianos foram acoimados de egotismo: (...)
A receita de Jacobs(...)Mandava misturar funções e consequentemente,os usos do solo,a fim de assegurar que as pessoas aí permanecessem por diferentes motivos,em diferentes horários,mas com aproveitamento comum de muitos serviços.(...)A ironia,patente vinte anos depois,foi isso tudo ter redundado na "yuppificação"da cidade.
(...)algumas das maiores e mais influentes cidades haviam adotado um modelo corbusiano: St. Louis, Chicago, Newark,entre outras.(...)Quando as residências Captain W. O. Pruitt e os apartamentos William L. Igoe viram a luz em 1951,o projeto de caráter experimental para edificações elevadas,assinado pelo eminente arquiteto Minoru Yamasaki foi tema de um artigo laudatório na revista Architectural Forum.(...)
St. Louis,em 1951,era uma cidade segregada: Pruitt era inteiramente negro mas,depois que a moradia popular foi dessegregada por decisão da Suprema Corte,a municipalidade tentou integrar Igoe.Nada feito: os brancos deixaram o lugar,e os negros - entre os quais se contavam muitas famílias dependentes de assistência social e com mulheres como chefe da casa - tomaram conta.(...)O primeiro acusado,evidentemente,foi o projeto.Como observou Oscar Newman em análise que ficou célebre:
(...)Ou,como teria dito Jacobs,eis uma ego-falha do arquiteto.(...)O problema surgiu em virtude das regras de gerenciamento financeiro impostas por Washington. Como aluguéis precisavam cobrir os gastos com a manutenção e os moradores não podiam pagar os aluguéis,o município cortou a manutenção.(...)A raiz do problema estava na formação do arquiteto,(...)E isso,por haver dois campos na arquitetura moderna,o dos "metodologistas sociais"e o dos "metafísicos do estilo", os Estados Unidos só haviam importado a segunda corrente,a corbusiana.Conclusão essa corroborada pela verificação de que urbanizações convencionais de pouca altura,com mesclas similares de locatários,não apresentavam tais problemas.
(...)O pecado de Le Corbusier e dos corbusianos está, portanto, não em seus projetos mas na leviana arrogância com que foram impostos a uma gente que não podia arcar com eles (...)
8. A Cidade da Suada Eqüidade. A Comunidade Autônoma: Edimburgo, Indore, Lima, Berkeley, Macclesfield (1890-1987)
A reação contra a cidade corbusiana das torres acarretou o triunfo da cepa anarquista do pensamento planejador (...)Geddes,mais do que ninguém,é responsável por trazer à teoria do planejamento urbano a idéia de que homens e mulheres poderiam construir suas próprias cidades,escapando,assim,da massificação industrial para um mundo de atividade artesanal,(...)Essa linha,implícita em Kropotkin,aparece,explícita e central,nos trabalhos de William Morris e Edward Carpenter; Unwin,por seu turno,baseou sua filosofia em Morris e foi um dos membros fundadores do grupo socialista de Carpenter em Sheffield,onde ouviu a palestra de Kropotkin sobre a união entre trabalho intelectual e artesanal.
Mas a estrada real passa por Geddes,com quem Unwin se encontrou na exposição de chalés baratos ocorrida em Letchworth,em 1905.(...)
Em 1914,já
com sessenta anos,(...),Geddes viajou durante dois meses de duas a três mil
milhas,informando-se sobre o progresso das cidades indianas.Nessa e em duas
visitas subsequentes,desenvolveu seu conceito de "cirurgia conservadora"-
ou,no jargão moderno,de recuperação urbana.(...)
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ARCÁDIA PARA TODOS EM PEACEHAVEN
(...)Colin Ward,começou,no início dos anos 50,a escrever para a revista Freedom,exaltando os princípios do "construa para si mesmo".(...)Em 1948,a AA convidou arquiteto anarquista italiano Giancarlo de Carlo.De Carlo ficara impressionado com as condições precárias em que os pobres da Itália viviam na época: (...)O sistema municipal de habitação não era a solução,pois significava "essas esquálidas barracas monotonamente enfileiradas no perímetro de nossas cidades".Portanto argumentava, "o problema habitacional não pode ser resolvido de cima.É um problema do povo,e só será solucionado,ou até mesmo encarado corajosamente, mediante a vontade e a ação concretas do próprio povo"
O planejamento poderia ajudar, "como manifestação da colaboração comunitária",graças ao que "ele se transforma no esforço para libertar a verdadeira existência do homem,na tentativa de estabelecer uma conexão harmoniosa entre natureza,indústria e todas as atividades humanas"
Essas palavras tocaram na corda sensível de um dos estudiosos,ex-membro das hostes da AA.John Turner,(...) No exército,lera Freedom e convertera-se ao anarquismo.
De meados dos anos 50 a meados dos anos 60,Turner trabalhou nas barriadas de Lima,(...)Era uma época em que a visão ortodoxa,reforçada pela publicação do influente trabalho de Oscar Lewis sobre a cultura da pobreza,via esses assentamentos informais de cortiços como "solo fértil para todo tipo de crime, vício, enfermidade e desorganização social e familiar"(...)
A idéia de que a barriada (ou seus equivalentes,a favela brasileira,a colonia proletaria mexicana e o rancho venezuelano)era um cortiço "oscila entre uma meia-verdade e uma inverdade quase total": o proprietário tinha terra,moradia,ou pelo menos parte dela,muitíssimo bem construída,segurança,status e interesses assentados em desenvolvimento social e estabilidade política; sua gente era "o equivalente(muitíssimo mais pobre)peruano dos compradores-de-casas de uma sociedade construtora dos subúrbios de qualquer cidade do mundo industrializado"(...)tanto a pesquisa universitária quanto a experiência profissional haviam confirmado os conjuntos de construções autônomas como autênticos "cortiços da esperança",expressão que Charles Stokes estreara já nos idos de 1962.(...)Frieden obteve resposta idêntica para a Cidade do México em meados da década de 60; Romanos confirmou-a para Atenas,Epstein para as cidades brasileiras.E o célebre estudo de Janice Perlman sobre o Rio,Favelas,the Myth of Marginality(1976),denunciou o conceito dominante como "absolutamente errado": "(...)..Em suma,têm as aspirações da burguesia,a perseverança do pioneiro e os valores do patriota.O que lhes falta é a oportunidade de satisfazer tais aspirações"
(...)E naturalmente sempre houve quem argumentasse,baseado na análise marxista,que o construtor autônomo não passava de mero instrumento do capitalismo: "As recomendações de Turner representam nada menos que as tentativas agora tradicionais dos interesses capitalistas para atenuarem o déficit habitacional usando de meios que não interfiram na operação efetiva desses interesses" (Burgess,R.)
Turner firmou sua posição no conceito de que a moradia pode ser uma alavanca para a ascensão social.
(...)
A AUTONOMIA NO PRIMEIRO MUNDO: DE WRIGHT A ALEXANDER
Na verdade,muitas das linhas que se introduziram no pensamento de Wright,ele as partilhava com a Regional Planning Association of America: anarquismo,libertação através da tecnologia, naturalismo, agrarianismo, movimento pró-cessão de terras.(...)Mas nas faculdades norte-americanas de arquitetura e urbanismo,a idéia da construção autônoma,inexplicavelmente,ficou soterrada por mais trinta anos até reaparecer em Berkeley,nos escritos de Christopher Alexander.
Alexander,natural de Viena,veio ainda criança para a Grã-Bretanha e recebeu uma educação extremamente eclética na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Cambridge,de onde emigrou para a América.(...)
No projeto "O Povo Reconstrói Berkeley",tentou desenvolver a idéia de vizinhanças "auto-sustentadas, autogovernadas".A idéia não vingou,o que de certa forma provocou um retorno ao tradicional plano diretor.(...)
Assim,num projeto de construção autônoma em Mexicáli,ele realmente se envolveu na ajuda aos mexicanos que ali se empenhavam em criar seu próprio ambiente.(...)
Na Inglaterra,Ralph Erskin,arquiteto inglês de nascimento,que trabalhara durante anos na Suécia,voltou para Tyneside a fim de construir o notável Byker Wall,(...)Seus habitantes são,na maioria,pessoas idosas que a ele se referem com o maior dos elogios: dizem que parece a Costa Brava.
Nesse ínterim,em
1969,aparecera um manifesto altamente iconoclasta nas páginas de um semanário
inglês de sociologia,o New-Society.Escrito conjuntamente por Reyner Banham,Paul
Barker,Peter Hall e Cedric Price,(...)Terminava num desafio: "(...)Se a
experiência do não-planejamento der realmente certo,deve-se permitir que a população
construa o que quiser" (...)
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Movimento paralelo ocorreu nos Estados Unidos.Jane
Jacobs pode ser apontada como sua iniciadora já em 1961 por sua arremetida contra
corbusianos quanto contra planejadores cidade-jardim,como por seu apelo para
a volta à densidade e aos usos mistos da terra característicos da cidade tradicional
não planejada.Em 1970,Richard Sennett lançou seu Uses of Disorder,(...)
A GRANDE GUERRA CONTRA A REMODELAÇÃO URBANA
(...)o profissional,mero agente da vontade do povo.Esse foi o espírito do primeiro exercício sobre projeto comunitário de que se tem registro: o Architectural Renewal Committee (Comitê de Remodelação Arquitetônica),o ARCH,do Harlem de Nova York,fundado em 1963 para lutar contra uma via expressa proposta de Robert Moses.(...)também o movimento do advocacy planning.Ambos reagiam contra a tradição do planejamento de cima para baixo,baseado em estreitos critérios de desempenho técnico,tão bem representados nos esquemas de remodelação urbana e vias expressas da época.(...)Os desalojados,conforme estudo do Departamento da Habitação e do Desenvolvimento Urbano,foram principalmente os idosos,as minorias,os locatários e a classe trabalhadora.(...)o processo de elitização: "suada eqüidade" - programas de "cessão de ponto residencial"e "cessão de ponto comercial",onde estruturas deterioradas foram praticamente entregues de mão beijada a pretensos restauradores - (...)se mostraram estranhamente semelhantes àqueles infatigáveis ativistas empenhados em urbanizar as favelas cariocas e as barriadas limenhas.
(...)Covent Garden fora,desde o século XVII,o mercado atacadista de frutas e verduras de Londres,em 1962,uma Secretaria Autônoma do Novo Mercado de Covent Garden assumiu a tarefa de preparar a mudança para outro sítio,o que aconteceu precisamente em 1974.(...)o deputado líder da equipe,um merseysideense de tendências radicais chamado Brian Anson,(...)Ao expressar suas dúvidas aos líderes da comunidade local,foi abruptamente afastado do posto por seu empregador,o Conselho da Grande Londres.Seu afastamento tornou-se uma cause célèbre na mídia.Na pesquisa de opinião realizada em 1971,todos se declararam contra o plano: (...)
(...)já em 1979 os empreendedores imobiliários haviam descoberto que restaurar custava menos da metade de uma reurbanização,mas podia gerar quase os mesmos rendimentos.O comércio local foi sendo substituído por boutiques lojas de artesanato,e Covent Garden foi-se transformando num ponto de compras da moda e na zona turística que hoje o mundo inteiro conhece.(...)O que parece ter acontecido é que os todo-poderosos planejadores técnicos cometeram erros,e os políticos,obcecados pela idéia de que uma cidade maior significava maior arrecadação tributária,covardemente os secundaram.
A Batalha de Paris foi caso mais colorido,(...)Em 1960,o governo central propôs que o histórico mercado geral de gêneros alimentícios,Les Halles,fosse retirado do centro; em 1963,o Conselho Municipal fundou uma organização,a SEAH (Société Civile d’Études pour l’Aménagement du Quartier des Halles)(...)quatro anos depois,outra organização,a SEMAH (Société d’Économie Mixte d’Aménagement des Halles),foi encarregada de levar a cabo o projeto.(...)Mas em 1967 outra organização,o APUR (Atelier Parisien d’Urbanisme),aprovara uma nova estação central de baldeação a Rede Expressa Regional (RER); e em julho de 1969,os históricos pavilhões de vidro do mercado,idealizados por Baltard,(...)a despeito de uma proposta do ministro de Obras para conservá-los,o Conselho votou pelo arrasamento total e o fato consumou-se.(...)
Em 1975,três projetos foram expostos na sede da prefeitura; como o público manifestasse preferência por um deles,os escolhidos foram os outros dois - um dos quais assinado pelo arquiteto catalão pós-moderno Ricardo Bofill.(...)A arquitetura de Bofill, "greco-egípcia com tendências budistas",não agradava a Chirac.(...)A decisão de Chirac suscitou um projeto imediato por parte de todos os arquitetos de renome internacional: Johnson,Venturi,Niemeyer,Stirling,Kroll e muitos outros.(...)Em dez anos,pelo menos setenta projetos haviam entrado e saído:dos 32 hectares previstos,incluindo imensos arranha-céus e autopistas,o projeto caiu para 15 hectares,reduzindo-se praticamente a um parque; Le Corbusier estava realmente morto,(...)Les Halles passou por processo idêntico ao de Covent Garden: elitizou-se.O fato é que Les Halles não representou qualquer tipo de triunfo da comunidade local.(...)Mas representou,como as batalhas de Covent Garden e Lower Norrmalm,uma virada decisiva nas atitudes a serem tomadas face à remodelação urbana em grande escala.Os ativistas comunitários perceberam então que podiam lutar contra o trator,e vencer.
A ARQUITETURA COMUNITÁRIA CHEGA À INGLATERRA
Em 1971,Rod
Hackney,jovem arquiteto que então preparava sua tese de doutoramento na Universidade
de Manchester,(...)Black Road - uma casinha geminada de 155 anos de idade -
em Macclesfield,cidadezinha industrial inglesa ao sul de Manchester.Ao solicitar
ajuda para os melhoramentos,descobriu que seu imóvel mais o de trezentos vizinhos
dele estavam programados para demolição.Organizou os vizinhos numa campanha
e,em 1973,persuadiu o conselho local a mudar de opinião:34 das casas constituiram
uma Área de Melhoria Pública,(...)Em 1975,seu trabalho ganhou um prêmio de Bom
Projeto na categoria Moradia,oferecido pelo
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Departamento de Meio Ambiente.(...)O movimento ganhou
força.Seus membros fundaram um Grupo de Arquitetura Comunitária dentro do Royal
Institute of British Architects,passando a entrar em conflitos cada vez mais
freqüentes com a direção.E, maio de 1984,o príncipe Charles,chocou a direção
do Instituto ao arremeter publicamente contra a baixa qualidade do projeto arquitetônico:
a ampliação proposta para a National Gallery,disse ele,era como um cancro monstruoso
no rosto de um amigo.É na arquitetura comunitária,declarou - citando nominalmente
Hackney - que está a solução.(...)Em junho de 1987,Hackney tomava assento,na
matriz londrina do Royal Institute of British Architects,ao lado do príncipe
Charles que entregou os prêmios do ano para a arquitetura comunitária em destaque.O
prêmio máximo coube ao projeto Lightmoor,da Town and Country Planning Association,para
Telford New Town.(...)era como se Howard,Geddes,Turner e a tradição anarquista
de planejamento tivessem finalmente alcançado a suprema respeitabilidade.(...)a
accolade viera sob um governo radical de direita que agora se aliava aos anarquistas
contra o espírito do socialismo burocrático.
9. A Cidade à Beira da Auto-estrada. O Subúrbio do Automóvel: Long Island, Wisconsin, Los Angeles, Paris (1920-1987)
(...)os primeiros subúrbios clássicos - Llewellyn Park em Nova Jersey,Lake Forest e Riverside nos arrabaldes de Chicago,Forest Hills Gardens em Nova York - foram planejados ao redor de estações ferroviárias.(...)Só com a revolução levada a efeito por Henry Ford (...)é que as técnicas de produção em série (...)tornaram o carro acessível às massas.(...)
CUMPRE-SE UMA PROFECIA DE WELLS
Em Anticipations de 1901,H. G. Wells especulara de que "as companhias de ônibus motorizados,ao competirem com as linhas de trem suburbanos,terão a velocidade de seus trajetos mais longos obstaculizada pelo trânsito mais lento do cavalo na estrada",e que portanto iriam "assegurar seu direito de abrir estradas exclusivas de novo tipo,pelas quais seus veículos poderão trafegar livremente,dentro dos limites máximos da velocidade que lhes seja possível desenvolver"(...) "seu tráfego em direções opostas estará,provavelmente,sujeito a uma rígida segregação"(...)Num capítulo sobre a "Provável Proliferação das Grandes Cidades",vaticinava que "praticamente,por um processo de confluência,toda a Grã-Bretanha ao sul dos Highlands parece destinada a transformar-se...numa região urbana,atravessada em todas as direções não só pela ferrovia e pelo telégrafo,mas por novas estradas como as que previmos",bem como "por uma densa rede de telefones,tubos para transporte de pacotes,e as conexões nervosas e arteriais congêneres"(...)
(...)Empregada pela primeira vez por Olmsted em seu projeto para o Central Park de Nova York em 1858,a parkway fora largamente utilizada pelos arquitetos paisagistas no planejamento de parques e novas áreas residenciais em cidades como Boston,Kansas City e Chicago.Long Island Motor Parkway (1906-1911),de William K. Vanderbilt,a primeira auto-estrada do mundo com acesso limitado a veículos motorizados,e a Bronx River Parkway 16 milhas (1906-1923),seguidas pela Hutchinson River Parkway de 1928 e pela Saw Mill Parkway,de 1929,essa inovação tipicamente norte-americana foi rapidamente adaptada para uma nova função e usada ,às vezes,como na Bronx Parkway,para limpar zonas urbanas degradadas,ela agora dava acesso rápido da cidade-base congestionada tanto para os novos subúrbios quanto para as áreas de lazer rurais e litorâneas.
A alma propulsora foi o mestre-construtor de Nova York,Robert Moses.(...)
Mas seu espírito público tinha limites: Moses construiu os viadutos baixos demais propositadamente,impedindo com isso que tanto ônibus quanto caminhões passassem sob os vãos.Os magníficos balneários praianos,que ele criou nos terminais de suas parkways,ficaram,portanto,estritamente reservados à classe média e seus proprietários de carro; (...)
Um dos pais fundadores da Regional Planning Association of America,Benton Mackaye,desenvolvera - como vimos noCapítulo 5 - a idéia de uma auto-estrada sem cidade,ou "rodovia".(...)
A primeira linha de montagem na Inglaterra,instalada na fabrica Morris em 1934,chegou mais de vinte anos após o esforço pioneiro de Ford em Detroit,enquanto na Alemanha,o prometido Carro do Povo de Adolf Hitler,que começara a ser produzido no enorme complexo industrial de Wolfsburg em 1940,era desviado para fins militares,(...)Na Alemanha a primeira autêntica auto-estrada do mundo: a AVUS (Automobil-Verkehrs und Übungs-strasse) em Berlim,entre 1913 e 1921.(...)
Mas,embora primitivas,as Autobahnen deram origem a uma nova paisagem viária,a paisagem que Mackaye imaginara naquele seu texto de 1930: pistas separadas,trevos,rodoviárias impecavelmente projetadas e situadas na paisagem,e até mesmo aquelas enormes placas azuis,com seus inconfundíveis letreiros em minúsculas,que se tornaram parte de um novo simbolismo visual global.
FRANK LLOYD WRIGHT E OS DESURBANISTAS SOVIÉTICOS
(...)em
Kansas City,o grande plano de parques municipais de 1893-1910,assinado por George
E. Kessler e que
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incluía parkways recreacionais,serviu de base para
o Distrito Country Club,a que o empreendedor Jesse Clyde Nichols deu início
em 1907-1908; influenciado tanto pelo movimento City Beautiful quanto por uma
volta ciclística pelas cidades-jardim européias,projetado por Kessler o primeiro
subúrbio-jardim especificamente construído em função do automóvel.(...)no centro,o
resplandecente Country Club Plaza(criado pelo arquiteto Edward Buhler Delle
em 1923-1925) foi o primeiro shopping center do mundo construído em função do
automóvel.Em Los Angeles,os bairros residenciais,tanto o de Beverly Hills(1914)quanto
o de Palos Verdes (1923),obedeceram a princípios de planejamento semelhantes.(...)Todas
essas foram,pura e simplesmente, urbanizações realizadas pela iniciativa privada
objetivando o lucro.(...)
Os desurbanistas soviéticos dos anos 20,liderados por Moisei Ginsburg e Moisei Okhitovich,argumentavam - como Wright,e talvez por ele influenciados - que as tecnologias ligadas à eletricidade e às novas formas de transporte,sobretudo o automóvel,permitiriam que as cidades se esvaziassem.(...)O histórico Congresso do Partido de 1931 determinou que todo aquele que negasse o caráter socialista das cidades existentes era um sabotador; a partir de 1933,um decreto estipulava que os centros urbanos deviam ser reconstruídos para expressar a "grandeza socialista".Falara Stalin; o grande debate urbano soviético foi silenciado por toda uma geração.
Wright começou a conceber sua Broadacre City já em 1924,(...)A concepção partilha muitas afinidades filosóficas com as idéias da Regional Planning Association of America,e até com as de Ebenezer Howard.Nela está presente a mesma repulsa pela cidade grande - Nova York especificamente - vista como um câncer,a mesma antipatia populista pelo capital financeiro e o latifúndio; a mesma repulsa anarquista pelo governo forte; a mesma confiança nos efeitos libertadores das novas tecnologias; a mesma crença no princípio da cessão de solo para moradia e no retorno à terra; e até aquele transcendentalismo caracteristicamente norte-americano que deriva de escritores como Emerson,Thoreau e Whitman.(...)
Broadacre seria diferente.As novas tecnologias,como afirmara Kropotkin três décadas atrás,estavam transformando e até mesmo abolindo a tirania geográfica.(...)Agora. "não apenas o pensamento mas também a fala e o movimento são voláteis: o telégrafo,o telefone,a mobilização física,o rádio.Em breve,a televisão e o vôo seguro".(...)novos materiais de construção - concreto armado,vidro e "inúmeras chapas de madeira,de metal ou de plástico,largas,finas,baratas" -possibilitavam um novo tipo de edificação(...)Portanto, "a verticalidade superpovoada de qualquer cidade é agora vista como extremamente inartística e não-científica!
Além desses ingredientes tecnológicos,Wright construiu o que se chamou de sua "visão usoniana":
"(...)Essa distribuição integrada de vida relacionada com a terra compõe a grande cidade que vejo envolvendo este país.Essa seria a Broadacre City de amanhã,isto é,a nação.A democracia feita realidade.
Evidentemente,Broadacre seria uma cidade de indivíduos.Suas casas seriam projetadas "não apenas em harmonia com a vegetação e o terreno mas em íntima consonância com o modelo de vida pessoal do indivíduo no território.(...)"
Isso tudo era a casca física.Mas para Wright,tanto quanto para Mumford ou Howard,as formas construídas nada mais eram do que a expressão apropriada a um novo tipo de sociedade.A cidade do arranha-céu,a seu ver, representava "o fim de uma época ! O fim da república plutocrática da América"(...)
Ninguém gostou.(...)
E,como argumentou eloqüentemente Herbert Muschamp,havia,afinal,uma contradição a comprometer a visão no seu todo: a livre comunidade de indivíduos moraria em casas projetadas pelo arquiteto-chefe: "[...]quando a fanfarrona retórica whitmaniana que exalta o espírito pioneiro tiver sido varrida de cena,restará apenas uma sociedade construída sobre o estrito princípio hierárquico da Irmandade Taliesin do próprio Wright: um governo da arquitetura,uma sociedade onde ao arquiteto se outorga o supremo poder executivo(...)"
O cerne da contradição,segundo Muschamp,reside na crença de que o arquiteto possa controlar todo o processo.
"OS SUBÚRBIOS ESTÃO CHEGANDO!"
O boom suburbano alicerçou-se em quatro pontos principais: as novas estradas que penetravam por terras situadas fora do alcance do velho trolebus e do transporte de interligação sobre trilhos; o zoneamento dos usos do solo,que produzia áreas residenciais uniformes com valores imobiliários estáveis; as hipotecas, que, possibilitavam prazos longos e juros baixos absorvíveis pelas famílias de renda modesta;e a explosão de natalidade que ocasionou um súbito aumento de demanda de casas unifamiliares(...)
Foi a Lei de Ajuda Federal à Auto-estrada de 1956 que assinalou o verdadeiro começo da suburbanização por via expressa.(...)que tipo de sistema viário seria esse?O Congresso,em 1944,endossara o princípio de que ele devia desviar-se das cidades.Planejadores como Bartholomew e Moses afirmavam,ao contrário,que ele deveria penetrar no coração dessas cidades,removendo,assim,as áreas deterioradas e melhorando o acesso dos subúrbios aos escritórios e lojas do centro.(...)
(...)E a
histórica decisão de 1926 da Corte Suprema,Euclid v. Ambler ,que confirmou a
validade geral do zoneamento,parece ter aceitado o argumento de Alfred Bettman,segundo
o qual o objetivo do zoneamento era
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aumentar o valor das propriedades.(...)o controle
do uso do solo nos Estados Unidos,em violento contraste com a maior parte da
Europa,ocorreu divorciado de qualquer tipo de planejamento do uso do solo; (...)No
ano seguinte,a Lei Nacional para a Habitação criava a Federal Housing Authority
(Secretaria Federal da Habitação),a FHA,(...)Mais: a "FHA estimulou a segregação
racial e a endossou como programa de ação"(...)
O relatório Our Cities,publicado em 1937 (e já discutido no Capítulo 5),chamou a atenção para o fato de que,mesmo entre 1920 e 1930,os subúrbios haviam crecido duas vezes mais rápido do que as cidades-base: (...)Em 1950, verificou-se que os subúrbios estavam crescendo numa proporção dez vezes maior do que as cidades-base; (...)A firma-arquétipo,feita lenda em sua época,fora fundada por Abraham Levitt e seus filhos William e Alfred,como uma pequena firma familiar em Long Island,na periferia de Nova York,em 1929.(...)
Em tarde de peregrinação por Long Island,(...)o pioneiro Sunnyside Gardens,de 1924,de autoria de Stein e Wright,o primeiro subúrbio-modelo de Atterbury,em Forest Hills Gardens,de 1912,e por fim,Levittown.(...)
(...)Portanto,Levittown,bem como seus incontáveis imitadores,eram lugares homogêneos: semelhantes viviam com semelhantes.(...)os negros vinham dos campos para a cidade,enquanto,simultaneamente,os brancos deixavam as cidades pelos subúrbios.(...)
(...)Gottdiener sugere que,na prática,os planejadores de Long Island dispunham de pouco poder: "As decisões tomadas pelos políticos,especuladores e empreendedores imobiliários levavam ao mesmo modelo de uso do solo que teria resultado de uma total ausência de planejamento ou de zoneamento"
(...)a subúrbia norte-americana recebia o vilipêndio quase universal das publicações oficiais.Condenavam-na por não obedecer às noções tradicionais - ou seja,européias - de urbanidade.(...)
Muitas acusações aqui se repetem: desperdício de terra,aumento do tempo dedicado ao transporte de interligação com o centro,encarecimento dos serviços,falta de parques.Mas a crítica básica é a de que os subúrbios carecem de forma.Como sempre,coube a Mumford a palavra definitiva,em sua apreciação sobre a alternativa cidade-jardim: "Uma cidade moderna,tanto quanto um burgo medieval...devia ter tamanho,forma e limites definidos.Não era para continuar sendo um simples estirão de casas ao longo de uma avenida indeterminada que avance rumo ao infinito e termine de repente num brejo".Assim também Ian Nairn criticava a paisagem suburbana pelo fato de "cada prédio ser tratado isoladamente,sem qualquer nexo com o que lhe está vizinho",pois "a conjuncionalidade na paisagem rural ou urbana,como a coexistência dos opostos,é essencial"
O interessante foi o contra-ataque intelectual,(...)James E. Vance,geógrafo de Berkeley,(...)também Robert Hiley defendia as "novas"cidades do sudoeste norte-americano,(...)Melvin Webber,de Berkeley,declarava:
"(...)Um modelo,e sua forma intrínseca de uso do solo,só será superior a outro na medida em que servir para ajustar processos espaciais contínuos e favorecer as finalidades não espaciais da comunidade política.Rejeito totalmente o argumento de que haja uma estética espacial ou física dominante,de caráter universal,no que respeita à forma urbana"
As novas tecnologias da comunicação,declarava,puseram por terra a ultrapassada conexão entre comunidade e propinqüidade: o lugar urbano estava sendo substituído pelo domínio do não-lugar urbano.No início da década seguinte,Reyner Banham escrevia seu ensaio apreciativo sobre Los Angeles,um ano depois,Robert Venturi e Denise Scott Brown publicavam seu célebre exercício sobre iconoclasmo arquitetônico,(...)Learning from Las Vegas é uma das mais importantes rupturas que marcam o fim do moderno movimento arquitetural e sua substituição pelo pós-modernismo,o qual reenfatiza a arquitetura como comunicação simbólica.(...)
Durante os anos 50,várias obras clássicas da principal corrente da sociologia urbana norte-americana - The Lonely Crowd (A Multidão Solitária),de Riesman,The Organization Man (O Homem da Engrenagem) de Whyte - haviam reforçado o estereótipo do subúrbio como um lugar de maçante homogeneidade,caracterizado pela progressiva corrosão da individualidade e pela falta de uma rica interação humana; a suburbanização iria eventualmente destruir muito do que havia de valioso na cultura das cidades.A fim de testar tais hipóteses, Herbert Gans foi morar em Levittown,Nova Jersey,por um longo período.(...)Os levittownenses, segundo Gans, recusavam-se a aceitar os rótulos que os primeiros sociólogos lhes haviam tentado impor: (...)As conclusões de Gans reforçaram maciçamente as de outro sociólogo,Bennett Berger,sobre os trabalhadores blue-collar num subúrbio da Califórnia.(...)segundo a conclusão de Gans: "O planejador tem influência apenas limitada sobre os relacionamentos sociais(...)"
De fato,o caráter de uma área - sua homogeneidade social ou o contrário dela - pode ser simulado pelo planejamento.Mas só dentro de limites muito estreitos; numa sociedade como a norte-americana,o mercado será o determinante principal e nele é que os fregueses registrarão suas preferências.(...)
Poucos anos
mais tarde,um dos mais célebres economistas da América,especializado em administração
do solo,Marion Clawson,realizava sua própria investigação sobre os custos do
estiramento suburbano,(...)ficara excessivamente caro para a metade da população:
a população urbana tornara-se,assim,cada vez mais estratificada pela raça,pela
renda e pela ocupação.(...)o veredicto econômico de Clawson apôs uma glosa
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marginal ao veredicto sociológico de Berger e Gans:
sim,de fato, os norte-americanos foram à feira e ali fizeram livremente suas
escolhas,(...)Havia um detalhe,também mais que marginal: metade de todos os
norte-americanos estava inteiramente alienada do processo por ser demasiado
pobre(e,em alguns casos,por ser negra,o que equivalia a ser pobre)
O CONTROLE DO CRESCIMENTO SUBURBANO NA EUROPA
Impossível comparação melhor que esta,de Estados Unidos versus Inglaterra.
(...)as autoridades locais de planejamento haviam usado os novos poderes para conter o crescimento suburbano ao redor das cidades,empregando a obrigatoriedade dos cinturões verdes para desviar as pressões para cidades de pequeno e médio porte mais distantes.(...)o planejamento do uso do solo na Inglaterra do pós-guerra produzira três efeitos principais.O primeiro foi a contenção: a quantidade de solo convertido de rural em urbano foi minimizada e também compactada.Um segundo foi a suburbanização: o distanciamento crescente entre as novas áreas residenciais e os principais centros empregadores.O terceiro foi a inflação dos preços da terra e da propriedade,numa escala nunca antes testemunhada.(...)
Se para você for altamente prioritário proporcionar a uma grande fatia da população os bens materiais que ela deseja através de mecanismos de mercado,então para você,o subúrbio norte-americano,com toda a sua ineficiência e ocasional feiúra,é imensamente superior ao equivalente britânico,confinado e dispendioso.Se você privilegiar a proteção pela sociedade da terra que a ela pertence e dos recursos naturais que essa terra contém,optará pelo sistema britânico de um planejamento efetivo do uso do solo.O programa norte-americano fora populista,o inglês,mais elitista.
ESQUADRANDO O CÍRCULO: O PLANEJAMENTO DA METRÓPOLE EUROPÉIA
Já em seus planos londrinos de 1943 e 1944,Abercrombie procurara utilizar novas auto-estradas urbanas,(...)Alker Tripp,desenvolvera o conceito do precinto residencial,de onde o tráfico direto externo seria excluído.(...)
Outro clássico projeto metropolitano da época: o Plano Geral de Sven Markelius de 1945-1952 para Estocolmo.(...)Sua resposta foi a mesma que a de May para Frankfurt,cidade de tamanho semelhante,nos anos 20: cidades-satélites.Vällingby de 1950-1954,Farsta de 1953-1961,Skärholmen de 1961-1968,Tensta-Rinkeby de 1964-1970.(...)Em decorrência da crise de energia,aqui como em toda parte,a cultura automobilística estava debaixo de fogo cerrado; um dos primeiros movimentos ecológicos - o Alternativ Stad ,fundado em 1965 - fez uma campanha para banir de vez os carros da cidade.Só que Markelius se antecipara trinta anos a esse conflito da afluência,construindo um soberbo sistema de transporte público antes do advento da massificação do automóvel.(...)
Em 1961,De Gaulle convocou Paul Delouvrier,e pediu-lhe que encabeçasse uma equipe para a elaboração de um novo plano.(...)Assim,eles adotaram efetivamente um Plano Estocolmo em megaescala,adequado a uma metrópole do tamanho de dez Estocolmos.Paris iria ter novas cidades; satélites nos moldes dos de May-Markelius.(...)a RER-160 milhas,foi integralmente planejada com os novos satélites.(...)a RER tomaria a forma de um "H" deitado,com uma linha principal leste-oeste ramificada em cada uma das pontas.(...)ela ligaria não apenas os satélites planejados,mas também os novos centros intra-urbanos.(...)O maior desses centros,situado em La Défense,fora do perímetro urbano,mas junto dele,do lado oeste,(...)
Foi o supra-sumo em matéria de plano.Os marxistas podem apresentá-lo como instância suprema de manipulação em grande escala do Estado pelo capital no interesse deste,sobretudo para prover os investimentos sociais que assegurem a reprodução da força de trabalho; não é à-toa que os modernos estudos urbanos marxistas nasceram em Paris entre 1965 e 1972.Já os que acreditam na elasticidade da cultura nacional,verão a longa tradição representada por Luís XIV e Haussmann: Delouvrier,ironicamente,realizou o tipo de planejamento a que,por tanto tempo,Le Corbusier em vão aspirara.(...)
De qualquer maneira,sobreviveu e,de certo modo,concretizou-se.(...)três das oito villes nouvelles foram riscadas do mapa e outras tiveram sua escala reduzida.As que restaram,provaram ser um pólo de atração para o capital da construção privada,que ergueu prédios de escritórios,shopping centers,moradias para venda em vasta escala.(...)como dizem os planejadores franceses,os planos oficiais podem fornecer um conjunto de indicações claras para o setor privado,(...)A audácia pode dar certo.
A GRANDE REVOLTA CONTRA A VIA EXPRESSA E O QUE VEIO DEPOIS
Na Grã-Bretanha,em
fins de 1963,o ministro dos Transportes publicava um relatório sobre Tráfego
nas Cidades,elaborado por um grupo técnico à cuja frente estava um engenheiro-planejador
até então desconhecido,Colin-Buchanan.(...)O argumento de Buchanan era sutil,fruto
da filosofia de Alker Tripp e seu planejamento precintual,formulada um quarto
de século antes: o planejador devia estabelecer padrões fixos para o ambiente
urbano,depois do que um aumento de tráfego só seria admissível mediante uma
reconstrução em
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massa; caso a comunidade não estivesse disposta ou apta a arcar com a conta,então
só lhe restaria restringir o tráfego.(...)
Na primeira revolta contra vias expressas ocorrida no mundo,a Embarcadero Freeway foi brecada de saída.Em seguida,inebriada pelo triunfo,a cidade parou por completo de construir vias expressas; (...)
A revolta espalhou-se por toda a América do norte; (...)a administração do Partido Trabalhista,recém-empossada no Conselho da Grande Londres rasgou todos os planos de autopistas do GLC (Greater London Council).(...)estávamos no tempo do relatório do Clube de Roma,da crença na beleza do pequeno,da preponderância do planejamento dirigido para os desfavorecidos,e da grande crise de energia desencadeada pela OPEP.(...) O resultado lógico - não só na Grã-Bretanha,mas de maneira muito mais entranhada em economias mais ricas,como as da França e da Alemanha Ocidental - foi um deslocamento maciço do investimento para o transporte urbano de massa.
10. A Cidade da Teoria. Planejamento e Academia: Filadélfia, Manchester, Califórnia, Paris (1955-1987)
A PRÉ-HISTÓRIA DO PLANEJAMENTO URBANO ACADÊMICO: 1930-1955
A Inglaterra assumiu de pronto a liderança quando,em 1909 - como já relatamos no Capítulo 5 - o magnata do sabão William Hesketh Lever,fundador de Port Sunlight empregou o dinheiro da indenização para dotar sua Universidade de Liverpool de um Departamento de Projetos Públicos.O primeiro professor,Stanley Adshead criou um novo periódico,a Town Planning Review,seu primeiro editor foi um jovem recrutado na faculdade,Patrick Abercrombie,(...)O Town Planning Institute foi fundado em 1914 por iniciativa conjunta do Royal Institute of British Architects,da Institution of Civil Engineers e da Royal Institution of Chartered Surveyors: (...)Os Estados Unidos foram mais vagarosos:(...)E o American City Planning Institute,fundado em 1917,em 1938,foi ampliado para incluir o planejamento regional,passando a chamar-se American Institute of Planners.(...)assim em 1950,a era utópica do planejamento - tema básico deste livro - terminara; o planejamento,agora,institucionalizara-se num planejamento que abrangia o uso do solo.(...)
Planejamento do uso do solo,segundo palavras de Keeble para sua platéia britânica em 1959 era outro assunto,rigidamente confinado,bastante diferente do planejamento social ou econômico.(...)
Embora pudesem dispor de excertos e trechos de teorias sobre a cidade - a diferenciação sociológica da cidade segundo a escola de Chicago,a teoria dos economistas do solo sobre diferenciais para locação do solo urbano,os conceitos dos geógrafos sobre região natural -,estes lhes serviram apenas como retalhos de conhecimento útil.(...) "...Fundada na infalibilidade do perito,essa exatidão reforçava a natureza técnica,apolítica do processo. O ambiente político era visto como totalmente passivo e até mesmo subserviente ao "parecer" dos planejadores e,na prática,era isso o que na maioria das vezes acontecia"
Vivia-se,no dizer de Batty,a idade de ouro do planejamento:livre de interferência política,serenamente confiante em suas capacidades técnicas,o planejador ficava à vontade para desenvolver seu trabalho.(...)
Uns poucos geógrafos e economistas industriais descobriram os trabalhos dos teóricos da localização alemães,tais como Johann Heinrich von Thünen (1826)sobre agricultura,Alfred Weber (1909) sobre indústria, Walter Christaller (1933) sobre locais centrais,e August Lösch (1940) sobre teoria geral da localização; passaram então a resumir e analisar esses trabalhos e,quando necessário,a traduzi-los.(...)Geógrafos,neófitos dos princípios do positivismo lógico,sugeriam que sua matéria deixasse de preocupar-se com descrições da diferenciação pormenorizada da superfície terrestre,e começasse,ao contrário,a desenvolver hipóteses gerais sobre distribuições espaciais que pudessem,em seguida,ser rigorosamente testadas em confronto com a realidade: exatamente a mesma visão que os pioneiros alemães da teoria da localização haviam adotado.Essas idéias foram brilhantemente sintetizadas por um economista norte-americano,Walter Isard,num texto que passou imediatamente a exercer importante influência.Entre 1953 e 1957,ocorreu aí uma revolução quase instantânea na geografia humana e a criação,por Isard,de uma nova disciplina universitária que unia a nova geografia à tradição germânica da economia locacional.(...)Mais precisamente,cidades e regiões passaram a ser vistas como sistemas complexos - na verdade,elas nada mais eram que um subconjunto particular,fundado espacialmente,de toda uma classe geral de sistemas - derivados de uma ciência que então nascia,desenvolvida por Norbert Wiener,a cibernética.
(...)Já
em 1954,Robert Mitchell e Chester Rapkin - colegas de Isard na Universidade
de Pennsylvania - haviam publicado um livro onde sugeriam que os modelos de
tráfego urbano eram função direta e mensurável do modelo das atividades - e
portanto,dos usos do solo - que os geravam.Acoplada com um trabalho anterior
sobre modelos de interação espacial e utilizando,pela primeira vez,os poderes
de processamento de dados do computador,essa obra produziu uma nova ciência
do planejamento do transporte urbano,que,pela primeira vez,
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reivindicava o direito de ser cientificamente capaz
de predizer os futuros modelos de tráfego urbano.(...) Agora,pela primeira vez,a
visão do engenheiro invadia o território profissional do planejador tradicional
de usos do solo.Modelos de interação espacial,sobretudo o modelo Garin-Lowry
-,que,a partir de dados básicos sobre emprego e linhas de transporte,podia gerar
o modelo decorrente para atividades e usos do solo -,passaram a fazer parte
do estoque de mercadorias do planejador.(...)
(...)Em 1975,Britton Harris,talvez o mais conceituado de todos os planejadores de sistemas,podia escrever que já não acreditava na otimização dos métodos como solução para os problemas mais difíceis do planejamento.
(...)O ponto preocupante era que,na prática,a democracia local demonstrou ser um negócio infinitamente mais sujo do que gostaria a teoria.Em vista disso,alguns teóricos concluíram que,se essa era a maneira de ser do planejamento,então que assim continuasse sendo: parcial,experimental,incremental,resolvendo problemas à medida que estes surgissem.(...)
Em 1967,um crítico,Richard Bolan,iria declarar que o planejamento de sistemas era o planejamento abrangente ultrapassado que fingia estar por dentro do assunto; ambos,de igual maneira,não levavam em consideração a realidade política.
A reação imediata da esquerda foi convocar os próprios planejadores para virarem a mesa e praticarem o planejamento de baixo para cima,transformando-se,para tanto,em planejadores-orientadores.(...)
Os advocacy planners interviriam das mais variadas maneiras,(...)Eles ajudariam a informar o público sobre as alternativas; forçariam as secretarias de planejamento a competirem pelo subúrbio; ajudariam os críticos a elaborarem planos que fossem superiores aos oficiais; (...)
Em contrapartida,a concepção de Webber sobre planejamento forneceu algumas das fundações filosóficas do Aprendizado Social ou enfoque Neo-Humanista dos anos 70,que salientava a importância do conhecimento de sistemas como auxílio na confrontação com um ambiente turbulento.(...)John Friedman da Universidade da Califórnia,em Los Angeles,acabou fazendo com que toda a atividade política se desintegrasse na decisão de diminutos grupos políticos: violento retorno às raízes anarquistas do planejamento.(...)os planejadores foram progressivamente passando do ponto de vista meramente físico para o social e o econômico.(...)em 1955,o planejador recém-formado típico debruçava-se sobre a prancheta para produzir um diagrama sobre usos do solo desejados; em 1965,ele analizava os dados de saída do computador sobre modelos de tráfego; em 1975,a mesma pessoa ficava conversando até tarde da noite com grupos comunitários,na tentativa de organizar-lhes a resistência contra as forças hostis do mundo lá fora.
(...)O planejamento,segundo assinalou Faludi em seu texto de 1973,poderia ser meramente funcional,caso as metas e os objetivos fossem assumidos de antemão; ou normativo,caso tais metas ou objetivos fossem,eles próprios,objeto de uma escolha racional.(...) "Necessita-se,por conseguinte,de uma nova teoria que procure servir de ponte entre as atuais estratégias de planejamento e os sistemas urbanos,físicos e sociais,aos quais estratégias se apliquem"
Como todos sabem,os anos 70 presenciaram um notável ressurgimento de estudos marxistas,(...)na Inglaterra e nos Estados Unidos,os geógrafos David Harvey e Doreen Massey ajudavam a explicar o crescimento e a transformação urbanos em termos de circulação do capital; em Paris,Manuel Castells e Henri Lefebvre desenvolviam teorias sociologicamente embasadas.
Nos infindáveis debates que se seguiram entre os próprios marxistas,uma questão crítica dizia respeito ao papel desempenhado pelo Estado.Na França,Lokjine e outros afirmavam que a principal e expressa preocupação do Estado era,através de estratagemas tais como planejamento macroeconômico e correlato investimento em infra-estrutura,calçar e incentivar os produtivos investimentos diretos do capital privado.Castells,ao contrário, argumentava que a função principal do Estado era suprir o consumo coletivo - como no caso da habitação popular,das escolas ou do transporte de massa -,de ajudar a garantir a reprodução da força de trabalho e abafar a luta de classes,o que era essencial para a manutenção do sistema.
(...)No dizer de Dear e Scott: "Em suma,o planejamento é uma resposta historicamente específica e socialmente necessária às tendências autodesorganizadoras das relações sociais e de propriedade privatizadas,típicas do capitalismo,à medida que estas surgem no espaço urbano" (...)E o planejamento nunca pode ir além de modificar alguns parâmetros do processo de urbanização do solo; não pode mudar sua lógica intrínseca e,portanto,não pode remover a contradição entre acúmulo de bens privados e ação coletiva.
(...)No dizer de Scott e Roweis:
"[...]há
um total desajuste entre o mundo da atual teoria do planejamento de um lado,e
o mundo real da intervenção do planejamento prático,do outro.Um é a quintessência
da ordem e da razão em comparação com o outro,cheio de desordem e irracionalidade.Os
teóricos convencionais procuraram então resolver esse desajuste
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entre teoria e realidade,aventando a idéia de que
a teoria do planejamento constitui muito menos uma tentativa de explicar o mundo
como é do que como deveria ser.É,portanto,a própria teoria do planejamento que,ao
propor-se a tarefa de racionalizar irracionalidades e procurar materializar-se
em realidade social e histórica (como o Espírito do Mundo de Hegel),faz desabar
sobre o mundo uma série de normas abstratas,independentes e transcendentes."
Um dos críticos,Philip Cooke,é inflexível: (...)a teoria do planejamento deveria evitar qualquer prescrição; deveria colocar-se inteiramente fora do processo do planejamento e procurar analisar o assunto - inclusive a teoria tradicional - pelo que é,reflexo de forças históricas.(...)
(...)Em outra palavras,a lógica marxista é estranhamente quietista; sugere que o planejador abandone por completo o planejamento e se encerre na acadêmica torre de marfim..
Alguns mostraram-se agudamente conscientes do dilema.John Forester tentou resolvê-lo baseando toda uma teoria da ação planejadora no trabalho de Jurgen Habermas.Habermas,talvez o líder dos teóricos sociais alemães no período que se seguiu à Segunda Grande Guerra,afirmara que o capitalismo tardio justificava sua própria legitimidade tecendo à sua volta um complexo conjunto de distorções comunicacionais,destinadas a ocultar e eludir qualquer compreensão racional de suas próprias atividades.Assim,argumentava ele,os indivíduos tornaram-se impotentes para compreender como e por que agem,sendo,portanto,excluídos de todo o poder de influírem em suas próprias vidas,(...)Habermas afirma que a política ou o planejamento democráticos exigem o consentimento que brota dos processos da crítica coletiva,não do silêncio ou de uma linha de partido.
O MUNDO FORA DA TORRE: A PRÁTICA FOGE DA TEORIA
(...)
11. A Cidade do Empreendimento. Virando o Planejamento de Ponta-Cabeça: Baltimore, Hong Kong, Londres (1975-1987)
Barry Bluestone e Bennett Harrison,em seu livro dramaticamente intitulado The Deindustrialization of America, estimavam que,durante os anos 70,o efeito combinado de indústrias em fuga,fechamento de fábricas e permanentes reduções físicas teriam custado ao país nada menos que 38 milhões de empregos,mais da metade situava-se no coração mesmo da região industrial.
Como observamos no Capítulo 5,Clarence Stein,o visionário fundador da Regional Planning Association of America e projetista de Radburn,predissera a decadência da economia urbana num notável artigo de maio de 1925,intitulado "Dinosaur Cities".Colin Clark,economista igualmente perspicaz,previra corretamente a retração geral do emprego na indústria,em seu livro The Conditions of Economic Progress,de 1940.
Durante os anos 70,tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos,os redutos do pensamento neoconservador - o British Centre for Policy Studies,a American Heritage Foundation - começaram a por em xeque todo aquele cômodo consenso que produzira a política econômica keynesiana e a política social da previdência estatal.Ao aceitar os primeiros argumentos clássicos no gênero,como o trabalho de Hayek,The Road to Serfdom(O Caminho da Servidão),o planejamento tornou-se parte central do pacote de políticas visado por esses ataques.
(...)Nos Estados Unidos,a administração Johnson redobrava seus programas urbanos contra a pobreza após as desordens de 1964-1967.Daí resultou o Programa de Cidades-Modelo a que se associou o Programa de Urbanização Comunitária (Capítulo 8).Na Inglaterra,uma série de relatórios - o de Milner Holland (1965)sobre a habitação em Londres, o de Plowden (1967) sobre escolas primárias,o de Seebohm (1968)sobre serviços sociais - marcaram a redescoberta oficial da pobreza por parte do establishment britânico.(...)Os Community Development Projects(Projetos de Urbanização Comunitária)de 1969,cópia carbono do programa norte-americano,visavam a despertar a consciência das comunidades carentes locais.(...)em 1976,o experimento todo cessava abruptamente.
A mensagem das equipes CDP proclamava que o problema - de lugares como Saltley em Birmingham,Benwell em Newcastle-upon-Tyne - era "estrutural": uma nova palavra,em voga na universidade,entrara para o vocabulário urbanístico.(...)
A orientação e o controle do crescimento foram repentinamente substituídos pela obsessão de encorajar o crescimento a qualquer custo; (...)
A receita mágica para a revitalização urbana parecia consistir num novo tipo de parceria criativa entre o governo municipal e o setor privado,(...)Yuppies ,ou jovens profissionais urbanos elitizariam as degradadas áreas residenciais vitorianas próximas do centro e injetariam seus dólares em butiques,bares e restaurantes restaurados.(...)
James Rouse
já era célebre,em fins dos anos 60,como o empreendedor de Baltimore que construíra
Colúmbia,
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uma das mais ambiciosas novas cidades construídas pela iniciativa privada
nos Estados Unidos da época.(...)Mas o papel desempenhado por Rouse no Inner
Harbor de Baltimore e nos esquemas equivalentes do Quincy Market e do Boston
Waterfront(Orla Marítima de Boston)assinalava algo diferente.Estes esquemas
eram maiores e incorporavam uma nova combinação de atividades: recreação,cultura,compras,habitação
para moradores de renda mista.Baseavam-se no então novo conceito de reutilização
adaptável: recuperação e reciclagem de antigas estruturas físicas para novos
usos.(...)
As urbanizações resultantes têm muito em comum com a de Covent Garden de Londres que estava sendo reciclada por essa mesma época(Capítulo 7).Suas bases são despudoradamente turísticas: Baltimore atrai 22 milhões de visitantes por ano,7 milhões dos quais são turistas,cifra comparável à de Disneylândia.(...)
A rousificação de Boston e Baltimore envolvia,portanto,a criação deliberada da cidade-como-palco.Como o teatro,ela copia a vida real mas não é vida urbana de verdade: (...)
A BATALHA EM DEFESA DAS DOCKLANDS
O caso mais espetacular foi,sem dúvida,o das Docklands de Londres: (...)O porto,outrora o maior do mundo,fora arruinado pelas disputas trabalhistas e pela transferência do comércio para mãos rivais,seja de outros locais do sul da Inglaterra(Southhampton,Felixstowe)seja do continente europeu(Roterdã).A chegada da conteinerização desferiu o golpe final.O porto de Londres transferiu todas as operações remanescentes para Tilbury,(...)
Em maio de 1979,os conservadores arrebatavam de volta o poder com Margaret Thatcher.Um de seus primeiros atos foi abolir o Conselho de Planejamento Econômico para o Sudeste.Um dos segundos foi instituir uma Corporação de Urbanização para as Docklands de Londres e sua contraparte igualmente derrelita,Merseyside.
(...)Era preciso,portanto,ser oportunista em relação às propostas vindas dos empreendedores.Muita coisa foi feita.(...)Os críticos insistiam que o plano todo nada mais era que uma yuppificação do East End,tradicional baluarte da classe trabalhadora londrina.
Em discurso proferido no congresso do Royal Town Planning Institute realizado em Chester,1977,Peter Hall - co-autor do iconoclástico Manifesto do Não-Plano em 1970 (Capítulo 8) - chamava atenção para o problema emergente da decadência urbana: "o melhor pode ser inimigo do bom.Se realmente quisermos socorrer as áreas intraurbanas e as cidades em geral,talvez tenhamos que usar remédios altamente heterodoxos...possivelmente um remédio extremo,a que eu daria o nome de solução Porto Livre.Áreas intra-urbanas,pequenas e seletas, seriam simplesmente abertas a todo tipo de empreendimento,com um mínimo de controle.Em outras palavras, nosso objetivo seria recriar a Hong Kong dos anos 50 e 60 dentro da Liverpool ou da Glasgow intra-urbanas" (...) "Basear-se-ia,despudoradamente,na livre iniciativa; a burocracia seria reduzida ao mínimo absoluto".(...)
Em 1980,o novo governo conservador da Inglaterra apresentava uma provisão em favor das zonas empresariais e o ministro das Finanças citava especificamente Peter Hall como autor do esquema.Durante os anos de 80-81, foram designadas quinze zonas - uma das quais,a Isle of Dogs,no coração das Docklands londrinas.
A urbanização das Docklands obedeceu aos modelos norte-americanos num aspecto decisivo: baseou-se na idéia de usar fundos públicos relativamente modestos para alavancar uma quantia muito maior do investimento privado.(...)A Urban Development Action Grant (Subvenção à Ação Urbanizadora)foi fixada,segundo o conceito de alavancamento,entre 4,5 e 6,5 inidades de investimento privado para cada unidade de investimento público.
Após 1979,o governo Thatcher foi progressivamente desmantelando o sistema de planejamento estratégico que a duras penas governos sucessivos haviam construído durante os anos 60 e mantido durante os 70.Os Conselhos Regionais de Planejamento Econômico foram os primeiros a encerrar suas atividades,em 1979.(...)uma Lei de 1986 aboliu o Conselho da Grande Londres e os seis condados metropolitanos,única experiência do gênero realizada na Inglaterra em matéria de governo metropolitano.(...)Simultaneamente,organizações mantenedoras cortaram a ajuda ao universitário,precipitando o fechamento de várias faculdades de urbanismo.
(...)Mas
o planejamento tradicional do uso do solo sofreu,na base,mais abalos em sua
própria terra do que nunca antes,em seus oitenta anos de existência.Tornou-se
deliberadamente reativo,artesão e antiintelectual,enquanto na universidade partia
para retiros sempre mais altos,em sua torre de marfim.Entrementes,enfrenta uma
nova ordem de problemas,para cuja solução seus profissionais,por formação(e
talvez por inclinação),nunca foram habilitados: o problema do declínio econômico-estrutural
de todas as comunidades urbanas e da reconstrução de uma nova economia sobre
as ruínas da velha.E enfrenta o pesadelo da volta de um antiqüíssimo problema
urbano,(...)a ralé urbana,que lá está,massa mal humorada e inamistosa,à espera
do lado de fora dos portões.
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12. A Cidade da Permanente Ralé. O Cortiço Resiste: Chicago, St. Louis, Londres (1920-1987)
The reactive mass of the industrial reserve army increases therefore with the potential energy of wealth.But the greater this reserve army in relation to the active labour-army,the greater is the mass of consolidated surpluspopulation,whose misery is in inverse proportion to its torment of labour.The more extensive,finally,the lazarus-layers of the working class,and the industrial reserve army,the greater is official pauperism.This is the absolute general law of capitalist accumulation. Karl Marx Capital,I (1867)
CHICAGO DESCOBRE A RALÉ
Booth e seus colaboradores,como vimos no Capítulo 2,foram pioneiros das técnicas modernas de observação social de massa na Londres da década oitocentista de 80,e produziram uma obra-prima,até agora não igualada, de sociologia urbana empírica.Os alemães haviam criado a sociologia teórica por aquela mesma época,e Robert E. Park,um dos fundadores da escola de Chicago,fora aluno de Georg Simmel em Berlim.Mas só em Chicago, durante os anos 20,é que Park,Burgess,McKenzie e Worth uniram essas duas tradições a fim de trabalharem visando a um total conhecimento -teoricamente fundamentado,testado pela observação - da estrutura social de uma grande cidade.Em 1925,publicaram sua clássica coletânea de ensaios sobre sociologia da cidade.(...)
A "forma mais simples e elementar de associação"na cidade,afirmava Park,era a vizinhança local.(...)
A vizinhança,porém,representava essencialmente a velha ordem social pré-industrial: a concorrência industrial, aliada à divisão de trabalho,estava promovendo sua substituição por uma organização alternativa da cidade, baseada na diferenciação por profissões e,conseqüentemente,por classes.Através do dinheiro,"os valores foram racionalizados e os sentimentos substituídos por interesses".A organização resultante, "composta de indivíduos competitivos e de grupos competitivos de indivíduos",mostrou que "cidades e,em particular,as grandes cidades vivem em equilíbrio instável.(...)e a consequência é esta crônica condição de crise que se instala na comunidade."
(...)A monografia de Thrasher,The Gang ,publicada no ano seguinte,confirmava que a gangue era especificamente um fenômeno decorrente daquilo que Burgess,em sua clássica geografia social da cidade, chamara de "zona em transição"ao redor do centro urbano: "(...)A razão básica,contudo,para o desenvolvimento de gangues nessas áreas está nas instituições sociais convencionais que falham em sua função de propiciar ao menor uma vida organizada"
(...)O resultado foi "um híbrido cultural,um homem que vive e partilha intimamente a tradição e a vida culturais de dois povos diferentes...um homem situado à margem de duas culturas e de duas sociedades,que jamais se interpenetram e fundem completamente",alguém reconhecível pelas seguintes características: "Instabilidade espiritual,autoconsciência aguçada,agitação e angústia".Segundo Park,a uma pessoa dessas caberia a denominação de "homem marginal" (...)imperfeitamente aculturado dentro da sociedade urbana e afundado naquilo que,mais tarde,em outra frase igualmente memorável e mal interpretada,Oscar Lewis iria chamar de cultura da pobreza.
Quando os soldados brancos voltaram da guerra,também nos locais de trabalho ocorreram pressões,visto que,entre a classe trabalhadora etnicamente branca da cidade,os negros tinham a reputação herdada da grande greve dos currais de 1904 - de serem furadores de greve.Gangues de jovens trabalhadores brancos vindos do distrito Stockyards,que se autodenominavam de "clubes atléticos"e eram subvencionadas por um político distrital local,começaram a intimidar,nas ruas,suas contrapartes negras.(...)Finalmente no dia 27 de julho de 1919,um incidente entre jovens brancos e negros numa praia superlotada desencadeava um conflito urbano generalizado: (...)38 pessoas - 15 brancos,23 negros - estavam mortas,e havia 537 feridos.(...)
Mas,por uma notável casualidade,aconteceu que dois dos primeiros maiores sociólogos norte-americanos fossem negros.E que,um dos pais fundadores brancos da sociologia norte-americana também dedicasse a primeira parte de sua vida ao estudo da vida social do negro.(...)
Em 1899,para classificar a população negra do 7( Distrito de Filadélfia,W. E. Dubois usou os métodos que Booth empregara ao fazer seu levantamento em Londres.(...)a grande maioria dos negros de Filadélfia não se compunha,de modo algum,da ralé degenerada,criminosa,encortiçada que a fábrica de boatos propalava: (...)
As conclusões
de Dubois são significativas,visto que corroboram as de Howard Odum,o sociólogo
branco sulino que se tornou o pai-fundador da Escola Regionalista Sulista dos
anos 30 e 40(Capítulo 5) (...) "Com a vida de imoralidade vem sua celebração
em histórias e canções...O tema preferido dessa classe de canções é o relacionamento
sexual que nelas se expressa sem qualquer restrição" (...)É evidente que
faltava também ao jovem Odum um termo-padrão de comparação sociológica; era-lhe
impossível conceber que quase exatamente os mesmos resultados pudessem ser aferidos
em relação à ralé branca da Londres vitoriana.(...)muito do
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comportamento infantil por ele relatado soa estranhamente
igual ao adotado pelos adolescentes norte-americanos brancos,classe média,suburbanos
dos anos 60 - inclusive as canções que os Rolling Stones iam buscar nas mesmas
fontes.(...) Há algo de sinistramente profético em sua declaração de que "o
hábito de usar cocaína tem crescido constantemente,e entre as melhores classes,arrastando
consigo um cortejo de resultados perversos.Seu largo uso nas cidades acaba influindo
inevitavelmente sobre as comunidades menores"(...)
" (...)From idleness to recklessness and theft,the negro easily develops from the vagrant,the bum,the hobo,the bully boy,the eastman,the rounder,the creeper,to the ‘ bad man’ and the ‘criminal’ " (...)
Esse era,na linguagem de uma geração posterior,o paradigma predominante em Chicago quando um sociólogo negro,E. Franklin Frazier,chegou à cidade para preparar sua tese de doutoramento,em 1927.O trabalho que daí resultou constitui um marco na sociologia da família negra.(...)
A proeza de Frazier foi começar pelo fato e,cuidadosamente,dissecar as causas.Relegou para segundo plano a existência de origens,quer físicas quer africanas,ou seja,raciais.Em lugar disso,postulou uma dupla ruptura histórica: primeiro,a da emancipação,que causara um súbito colapso da família escrava e da organização social negra,seguida,porém,de um retorno a uma forma modificada de vida agrícola com a família de meeiros; segundo,a da urbanização,que levara a um novo colapso as estruturas e o controle social.(...)
" (...)A amplitude dessa desorganização dependerá da reserva de tradição social que passará a ser o ponto de partida para a reorganização da vida sobre bases mais intelectuais e eficientes"
A partir dos anos 30,agora professor na Universidade de Harvard,Frazier ampliou seu trabalho para um estudo monumental sobre a estrutura social e familiar do negro.
Cinco anos após a obra magistral de Frazier sobre a família negra,publicada em 1939,surge outra,da lavra de outro grande cientista social: o monumental estudo de Gunnar Myrdal sobre o negro norte-americano foi publicado em 1944.(...)
No processo,o gueto também teve modificadas as suas características,passando para os cuidados da Chicago Housing Authority(Secretaria Autônoma para Assuntos Habitacionais de Chicago).O plano da CHA de 1949,que propunha a construção de 40.000 unidades adicionais em seis anos,incluía o assentamento de um grande número de negros dentro de áreas brancas;tão logo isso começou a ser feito,sucederam-se os tumultos; (...)A tentativa de integração foi abandonada;(...)
O coração e o símbolo do novo gueto era o Robert Taylor Homes,o maior projeto de habitações populares do mundo: (...)Dos primitivos 27.000 moradores,20.000 eram crianças.Quase todos negros; todos pobres; mais da metade dependente de assistência pública.No projeto inteiro,havia 2.600 homens: o equivalente a uma cidade de mais de 25.000 pessoas,das quais 90% eram mulheres e crianças.(...)
(...)outro gueto de habitações populares do Meio-Oeste,o famigerado conjunto Pruitt-Igoe de St. Louis,cuja vida e morte narramos no Capítulo 7.(...)Os pruitt-igoeanos viviam num mundo de pesadelo,41% haviam sofrido roubo,35% agressão pessoal,20% lesão corporal grave.(...)
Na adolescência,seu grupo lhe diz que o sucesso virá não do desempenho convencional na escola ou no emprego mas da capacidade de ela tornar-se "um rematado bicão,que consegue o que quer atuando na mente das pessoas,e capaz de fazer chover benesses com um mínimo de esforço e o máximo de estilo"
As causas básicas desse emaranhado novelo de síndromes,na visão de Rainwater,são a marginalidade econômica e a opressão racial.Os negros de classe inferior não podem encontrar nicho seguro no sistema econômico,pois é nele que o racismo se entrincheira,só lhes permitindo acesso a serviços de qualidade inferior e preço mais alto,inclusive no tocante a moradia e educação: " (...),passa ele a encarar como dignas de prêmio a exploração e manipulação de seus pares"
(...)Falando curto e grosso,o primordialmente essencial era dar dinheiro ao pobre.
(...)Daniel Patrick Moynihan era um acadêmico que havia ingressado na política como senador dos Estados Unidos,seu relatório,The Negro Family:The Case for National Action,surgia no repentino despertar da década mais turbulenta na história dos negros norte-americanos,(...) "O problema fundamental",continuou,fazendo eco a Frazier e Myrdal, "é a estrutura familiar".
(...) "O impacto combinado de pobreza,insucesso e isolamento sobre a juventude negra",continuava Moynihan, "teve como resultado previsível um calamitoso índice de delinquência e criminalidade"
O IMPACTO DOS LEVANTES DE GUETO
Em outras palavras,o desordeiro típico,se é que existia,era também um membro absolutamente típico da ralé tal
como Frazier a descrevera; com uma glosa apenas: pertencia à camada mais ambiciosa e inteligente dessa ralé.
(...)Coube à Comissão Kerner enfrentar a questão que,para muitos norte-americanos,se impunha como prioritária: por que haviam os negros falhado ao seguir o caminho típico do imigrante rumo a uma mobilidade ascensional ? (...)Para Kerner,o culpado das desordens era o racismo branco.
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O relatório Kerner prosseguia recomendando uma série de medidas que visavam à "criação de uma nova união - uma sociedade única e uma única identidade norte-americana" (...)
Não teve êxito.Registraram-se,em seguida,pelo menos dois importantes estudos sobre o progresso do negro norte-americano: um de William J. Wilson (1978) e outro de Reynolds Farley (1984).(...)O livro de Wilson,The Declining Significance of Race(Raça,um Conceito em Decadência),abraça a tese de que "a classe tornou-se mais importante do que a raça na determinação do acesso do negro ao privilégio e ao poder" (...)O fato é que "a situação de marginalidade e redundância criada pela moderna sociedade industrial afeta deleteriamente a todos os pobres,sem distinção de raça"
PÓS-ESCRITO: A RALÉ NA GRÃ-BRETANHA
Por fim,o fato evidente é que também os guetos britânicos se amotinaram.No Brixton de Londres,no Toxteth de Liverpool e no Moss Side de Manchester,em 1981,no Handsworth de Birmingham e no Broadwater Farm de Londres,em 1985,ocorreram a violência,a pilhagem e o quebra-quebra generalizado.Graças ao meticuloso inquérito oficial levado a efeito pelo ministro do Supremo Tribunal,Scarman,quando do levante de Brixton, dispomos de uma meticulosa anatomia do fenômeno.O texto soa como sinistra reprise do relatório Kerner: (...)
Naquele mesmo ano, um grupo designado pelo Arcebispo de Canterbury publicava seu relatório, Faith in the City, deflagrando uma vasta agitação política.(...)
"Acreditamos que atualmente se está dando ênfase excessiva ao individualismo, e insuficiente à obrigação coletiva "Atacavam eles sem dó os programas do governo Thatcher - de apoio às autoridades locais, de assistência social (...) "A questão crucial a enfrentar é se de fato existe uma séria vontade política de desencadear um processo que dê àqueles que, no momento, vivem na pobreza e na impotência, a possibilidade de reingressarem na vida da nação". E conclamavam outros a juntarem-se a eles para "porem-se mais perto do Cristo ressurecto, ao lado dos pobres e desvalidos"