BRANCO & PRETO
O
arquiteto Pitanga do Amparo reformou totalmente um apartamento
em
São Paulo, onde os destaques são para as cores preta
e branca.
Fotos:
Calazans
"Cansado
(estèticamente falando) do uso em arquitetura das cores primárias,
vermelho, amarelo e azul; e das complementares, verde, laranja e
violeta, ora gerando grandes contrastes absolutos, ora explodindo
dutos de ar condicionado aparentes e assim, precursoramente em 1974
antecipando, quase incógnito aqui na selva, o high-tech do
Centro George Pompidou de Piano & Rodgers, resolvi trabalhar
as possibilidades do branco & preto deixando para os retardatários
e oportunistas a chance de descobrirem, anos após, os efeitos
corajosos que poderiam extrair de suas cinzentas arquiteturas de
concreto e sóbrias formas arredondadas com o uso das cores
puras.
O abandono destas cores coincidiu, não por acaso, com o meu
início na chamada arquitetura de interiores, onde defendo
outras posturas que as adotadas para a arquitetura construída,
visto que, em uma reforma, estamos aparentemente limitados pelas
interferências de vigas, pilares e prumadas hidráulicas.
Digo aparentemente, pois vocês vão percorrer, através
destas páginas, um projeto de reforma total de um apartamento
em que do original só restaram praticamente as paredes externas
do prédio que o contém.
Demoli literalmente todo o apartamento e desci-o em centenas de
sacos de entulho pelo elevador de serviço.
E aí eu me questiono se, para o arquiteto, a destruição
não é, em certos casos, mais gratificante que a construção.
Salão limpo, pude inverter a planta original jogando os quartos
próximos da cozinha (única peça preservada)
e no amplo quadrado em que se situavam os desajeitados quartos e
banheiros pôde-se criar os quatro ambientes que compõem
a parte social do apartamento.
Toda arquitetura é pensada em planos independentes e, em
sua maioria, a 45 graus, o que vale também para a marcação
das réguas do piso, dos níveis de acesso às
suítes, dos volumes do forro e das linhas dos spots, culminando
com a escultura do centro do living.
O elemento crítico do projeto é o corredor virtual
criado pelos três planos quadrados de alvenaria que ironicamente
ocultam as três cores primárias, vermelho, amarelo
e azul, as quais, durante o dia, por reflexão, irradiam essas
cores recriando em luz a escala cromática que vai do vermelho
ao azul. À noite, o mesmo efeito é conseguido através
de neons embutidos nos topos dos mesmos planos, como se pode ver
em uma das fotos.
Essa escultura linear, metarquitetônica, de fusão (arquitetura-arte-arquitetura),
é a análise plástico-cromática, quase
código de leitura, como a lembrar em letras luminosas "Quem
entende de tintas é o pintor!", para que, no outro extremo
do ambiente, ocupem as pinturas seu verdadeiro lugar: autóctones,
monumentais, ora líricas, ora agressivas, sempre muito harmônicas
na sua intrínseca magnitude.
O projeto arquitetônico, a execução das obras,
a escolha dos móveis e objetos de arte, além do design
exclusivo de alguns móveis, são de minha autoria e
absorveram onze meses de trabalho contínuo da demolição
até a entrega das chaves.
Obrigado
a todos e boa viagem...
Pitanga
do Amparo
31/07/1985
Fotos:
1. Black and blue. O hall do elevador com carpete monza em preto.
2. Branco total. O hall de entrada.
3. Em primeiro plano, tela de Luiz Sôlha. Segue-se escultura
luminosa, ao centro. Ao fundo, sofá Brigadier em couro branco.
4. O teto desenha um grande quadrado abrigando a escultura, vista
agora do topo. À esquerda, duas Wassily e à direita
Cidade-Campo, duas telas complementares de Takashi Fukushima.
5. Os três planos e suas cores-luzes.
6. No corredor, poltrona Willow no hall de entrada.
7. O outro ângulo do corredor. À esquerda, o acesso
às duas suítes. À direita, acozinha transparente.
No fundo o living.
8. Entrando na suíte do casal, cama Strips e outra tela
de Luiz Sôlha. Persiana vertical Columbia e tapete extra-nylon
Tabacow.
9. No quarto, a simpática hidromassagem Twin, da Jacuzzi.
Ao fundo, atrás do lençol de vidro, novamente a cozinha.